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A mãe, Aidee Gutierrez (direita), de origem mexicana, e suas filhas Marlene Gutierrez e Brissa Martinez se abraçam em um memorial em frente ao Walmart em homenagem às vítimas de um massacre que deixou pelo menos 22 mortos, em El Paso, Texas (EUA), 5 de agosto
A mãe, Aidee Gutierrez (direita), de origem mexicana, e suas filhas Marlene Gutierrez e Brissa Martinez se abraçam em um memorial em frente ao Walmart em homenagem às vítimas de um massacre que deixou pelo menos 22 mortos, em El Paso, Texas (EUA), 5 de agosto| Foto: Mario Tama/Getty Images/AFP

Toda vez que ocorre um tiroteio em massa, o país fala sobre saúde mental.

Muitos políticos são rápidos em apontar para as mentes perturbadas dos atiradores. Repórteres buscam tendências "solitárias" ou sinais de instabilidade.

"A doença mental e o ódio puxam o gatilho. Não a arma", disse o presidente Donald Trump nesta segunda-feira (5), após dois massacres em menos de 24 horas.

Então, a doença mental é responsável pelos assassinatos em massa nos Estados Unidos? Não, de acordo com as pesquisas.

Alguns atiradores em massa têm histórico de esquizofrenia ou psicose, mas muitos não. A maioria dos estudos sobre atiradores em massa descobriu que apenas uma fração deles tem problemas de saúde mental. Os pesquisadores observaram uma série de outros fatores que são preditores mais fortes da possibilidade de alguém se tornar um atirador em massa: um forte sentimento de ressentimento, desejo por infâmia, análise de outros atiradores, violência doméstica no passado, narcisismo e acesso a armas de fogo.

"É tentador tentar encontrar uma solução simples e apontar o dedo para isso", disse Jeffrey Swanson, professor de psiquiatria e ciências comportamentais da Faculdade de Medicina da Duke University. "O fato de alguém sair e massacrar um bando de estranhos não é o ato de uma mente saudável, mas isso não significa que eles tenham uma doença mental".

Como os tiroteios em massa se tornaram mais comuns nos últimos anos, sua conexão com a saúde mental tem sido cada vez mais examinada pelo FBI, departamentos de polícia, psiquiatras forenses, especialistas em doenças mentais e epidemiologistas.

Em um relatório de 2018 sobre 63 atiradores, o FBI descobriu que 25% tinham sido diagnosticados com uma doença mental. Destes, apenas três foram diagnosticados com um distúrbio psicótico. Em um estudo de 2015 que examinou 235 pessoas que cometeram ou tentaram cometer assassinatos em massa, apenas 22% poderiam ser considerados doentes mentais.

As pesquisas já desmascararam há muito tempo outra explicação comum entre os políticos: que os videogames violentos estão causando a crise de tiroteios em massa, uma ideia mencionada por Trump e pelo líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy, republicano da Califórnia, na segunda-feira.

Não há, no entanto, nenhuma ligação estatística entre jogar videogames violentos e atirar em pessoas, disse Jonathan Metzl, diretor do Centro de Medicina, Saúde e Sociedade da Universidade Vanderbilt, que estuda o tema.

Um relatório de 2004 conduzido pelo Serviço Secreto e pelo Departamento de Educação descobriu que apenas 12% dos agressores em mais de três dúzias de tiroteios em escolas demonstravam interesse em videogames violentos. Apesar da contínua falta de uma ligação, legisladores e figuras públicas continuam a culpar a indústria dos jogos.

"Quando políticos como o presidente Trump perpetuam essa narrativa, para mim, é o auge da irresponsabilidade, porque isso é perpetuar uma falsidade", disse Metzl.

A ânsia de colocar a culpa na saúde mental e nos videogames significa que a sociedade está buscando respostas nos lugares errados, dizem os especialistas.

No auge da tendência de culpar os videogames - após o tiroteio em Columbine em 1999 - uma pesquisa do Gallup descobriu que 62% dos adultos em todo o país acreditavam que produtos de entretenimento eram o principal catalisador da tragédia e que 83% apoiavam restrições à venda de mídia com conteúdo violento para crianças. O presidente Bill Clinton até pediu uma investigação sobre como a indústria publicitária vendia entretenimento violento.

No ano passado, uma pesquisa do Washington Post e da ABC sobre tiroteios em massa revelou que 57% das pessoas acreditavam que os tiroteios eram um reflexo das falhas em identificar e tratar pessoas com problemas de saúde mental. Enquanto isso, apenas 28% achavam que isso refletia leis inadequadas de controle de armas.

"A ironia é que claramente precisamos de um sistema de saúde mental mais robusto", disse Arthur Evans Jr., um psicólogo que dirige a American Psychological Association. "Mas isso é uma coisa distinta desses tiroteios".

Quase 5% da população dos EUA sofre de alguma doença mental grave em um sistema de saúde que, segundo a maioria dos médicos, subestima seriamente a saúde mental. Isso muitas vezes deixa alas psiquiátricas sem leitos suficientes para aqueles que estão em crise.

Pessoas com transtornos mentais graves têm 3,6 vezes mais chances de apresentar comportamento violento, de acordo com a Pesquisa Nacional de Epidemiologia sobre Álcool e Condições Relacionadas. Mas eles são muito mais propensos a serem vítimas de violência - com um risco 23 vezes maior em comparação com a população em geral. Um estudo publicado no periódico científico Annals of Epidemiology descobriu que "a grande maioria das pessoas com transtornos mentais não se envolve em violência contra os outros, e que a maioria dos comportamentos violentos se deve a outros fatores diferentes de doença mental".

"Nós gostamos de pensar que qualquer um que mata os outros é de algum modo mentalmente doente", disse Phillip Resnick, que atuou como psiquiatra forense em casos como o do autor do atentado a bomba em Oklahoma City, Timothy McVeigh, e do Unabomber, Ted Kaczynski. "Mas você tem que lembrar, as pessoas matam por todos os tipos de motivos. Elas matam por lucro ou amor ou ganância".

O estresse mental e o distúrbio emocional podem ser fatores que contribuem a um tiroteio em massa. O estudo do FBI de 2018 descobriu que os atiradores geralmente passaram por vários fatores de estresse no ano anterior ao ataque - pressões financeiras, brigas com colegas de escola ou de trabalho e abuso de drogas. E, em média, os atiradores demonstravam quatro ou cinco comportamentos que as pessoas ao seu redor podiam perceber - os mais frequentes eram comportamentos relacionados à saúde mental, conflitos interpessoais ou algum sinal de intenção violenta.

"Esses podem ser homens jovens raivosos, alienados e problemáticos que estão marinando em ódio por algum outro grupo, por exemplo, e têm acesso a essa tecnologia extremamente letal", disse Swanson. "Então, para mim, dizer que [a causa] é doença mental é uma grande evasão para não falar sobre armas."

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