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Não faz muito tempo foram publicados dois estudos que provocaram reflexões sobre os benefícios e os possíveis danos do rastreamento mamográfico no câncer de mama. As dúvidas colocadas pelas pesquisas foram: qual a melhor idade para iniciar com a mamografia e quando ela deve ser suspensa? Qual sua periodicidade? E, finalmente, quais os riscos que ela poderia trazer em termos de cirurgias ou biópsias desnecessárias?

Um exame de rastreamento ideal deveria identificar pacientes com câncer em fase inicial e permitir que elas recebam tratamentos menos agressivos e mais efetivos, ou seja, com maior chance de cura e menos mutilação. E a mamografia tem demonstrado isso.

Entretanto, ela tem alguns limites. Os mastologistas e os radiologistas conhecem todos eles, afinal é um exame que está há mais de 50 anos sendo realizado. Ela pode deixar de diagnosticar, algumas vezes, tumores já presentes, e também mostrar lesões suspeitas que geram angústia, mas que no fim nem sempre são câncer.

Em ciência nós argumentamos com os dados que temos, e contra-argumentamos com aqueles que ainda faltam ser obtidos. A mamografia é o único exame que até hoje demonstrou ser capaz de reduzir a mortalidade pelo câncer de mama – em torno de 20% a 30% quando realizada acima dos 50 anos, e de 15% a 20% se for aos 40 anos. O preço desse sucesso, contudo, foi um aumento no número de biopsias desnecessárias, ou seja, para condições benignas, e também de tratamentos de tumores que talvez não viessem a se manifestar durante a vida. Esse último dado foi o que mais preocupou algumas pacientes. Infelizmente ainda não temos como separar em que casos um tumor subclínico (aquele que aparece apenas no exame de imagem) não terá repercussão, e quando este tumor terá como consequência uma doença mais agressiva ou até fatal.

O câncer de mama é um mal cada vez mais curável, mas, para que isso ocorra, o diagnóstico precoce é imprescindível. Se hoje conseguimos cirurgias menos agressivas, com resultados oncológicos e estéticos melhores, muito devemos à mamografia. A controvérsia, para alguns, está em iniciarmos a mamografia aos 40 anos, mas não que a mesma não seja importante aos 50. Em pacientes com 40 anos são necessárias 1,9 mil mamografias para detectar um caso de câncer; e, a cada cinco biopsias realizadas, apenas uma será câncer. Esses dados demonstram que os custos nessa faixa etária são, obviamente, maiores.

Em nenhum destes estudos foram avaliadas consequências também relevantes do rastreamento, ou seja, de pacientes que tiveram sua mama e axila preservadas, que deixaram de fazer quimioterapia, ou que simplesmente estão vivendo bem, sem sequelas e com uma vida produtiva depois do tratamento de um câncer de mama inicial detectado na mamografia.

A escolha deve ser, então, a de uma chance maior de descobrir um tumor em uma fase curável, mesmo que para isso tenhamos de pagar pela angústia de algumas biopsias ou tratamentos desnecessários? Pois então vamos deixar que as pacientes de 40 anos decidam. Não podemos afirmar que os duendes existem, pois nunca ninguém os viu até hoje. Mas as consequências da falta de rastreamento, essas nós conhecemos muito bem no Brasil. E elas são mais deletérias que as do seu eventual exagero. Este é o mundo real. Portanto, rastreamento, sim – no mínimo acima dos 50 anos. Disso acho que ninguém discorda. Nem mesmo os duendes.

Cicero Urban, médico mastologista e oncologista, é professor de Bioética e Metodologia Científica na Universidade Positivo.

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