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| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

O noticiários recente da África do Sul dá ideia da ameaça do puro e simples confisco de parte das terras da minoria branca, para fins de reforma agrária, escondendo, na verdade, um outro dilema do Congresso Nacional Africano (CNA), no poder desde 1994.

Questão complexa, remontando à política histórica do Apartheid, efetivamente iniciada em 1948, quando da ascensão do Partido Nacional, de minoria branca, que lentamente implantou “bantustões” (lar dos bantus), como forma de segregação racial. Foi necessário um boicote mundial para que a situação mudasse. A África do Sul é um mosaico em uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, com população acima dos 52 milhões, 11 línguas oficiais, 12% de brancos, 8,5% de mestiços, 2,5% de asiáticos e 77% de negros – separação ainda presente, agora em termos econômicos, mesmo depois da “abolição do Apartheid” com a eleição de Nelson Mandela, em 1994.

Devido à existência de muitas línguas oficiais, o sul-africano frequentemente não domina o inglês como primeira língua

Quando o CNA chegou ao poder, em uma eleição na qual obteve mais de 75% dos votos, aprovou uma nova Constituição. O CNA, no poder, cria novos ricos, ligados ao partido. Por questões de custo, as populações que viviam em guetos foram mantidas lá, melhorando-se parcamente suas condições. Com receio de uma retirada de investimentos no país, optou-se, à revelia dos mais radicais, por não desapropriar as terras da minoria branca. Durante bom tempo, entre 1998 e 2008, o país cresceu consistentemente, a uma taxa média de 3,5% ao ano, crescimento que provocou a entrada em massa de habitantes dos países vizinhos. Devido à existência de muitas línguas oficiais, o sul-africano frequentemente não domina o inglês como primeira língua, diferentemente do habitante dos países vizinhos, como Zimbábue, Zâmbia, Suazilândia e Lesoto. Um dos efeitos disso é o fato de, no setor de serviços, os melhores empregos acabarem ficando nas mãos dos estrangeiros, restando aos os sul-africanos os empregos que a ninguém mais interessa.

A situação econômica começa a piorar a partir da crise de 2008, somando-se os sucessivos escândalos governamentais de corrupção que culminaram com a renúncia do presidente Jacob Zuma. O sucessor eleito para um mandato-tampão, Cyril Ramaphosa, enfrenta resistências dentro do CNA para se manter no poder, e necessita de uma aliança com os setores mais radicais. Encontrou um mote na transferência de terras sob o controle dos brancos, mesmo que no limite inicial de 30% (desde desde 1994, foram transferidos apenas 10%, com indenização), sobrando, portanto, 20%, na meta do CNA. No entanto, se houver a radicalização desejada por setores do CNA necessários para garantir o apoio a Ramaphosa nas eleições marcadas para maio, há o risco real de redução de investimentos.

Paulo Cruz: A senzala ideológica de uma francesa no Jardim Europa (publicado em 2 de agosto de 2018)

Leia também: Os direitos de propriedade dos sul-africanos caminham na direção errada (artigo de Patrick Farrell e Patrick Tyrrell, publicado em 14 de outubro de 2018)

Na doutrina norte-americana, para o reconhecimento de um governo, é preciso que se façam presentes duas condições: que o novo governo seja oriundo da vontade popular claramente manifestada; e que o novo governo respeite as leis internacionais (o que também inclui o respeito aos contratos internacionais). Daí o dilema, dentre tantos.

Luís Alexandre Carta Winter é professor de Direito Internacional da PUCPR e doutor pela USP.
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