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Em 12 de julho de 1998, o então presidente da França Jacques Chirac saudava a seleção francesa pelo título mundial de futebol. Chirac morreu com 86 anos, nesta quinta-feira (26).
Em 12 de julho de 1998, o então presidente da França Jacques Chirac saudava a seleção francesa pelo título mundial de futebol. Chirac morreu com 86 anos, nesta quinta-feira (26).| Foto: Pedro Ugarte/AFP

A notícia do falecimento de Jacques Chirac, o último dos gaullistas históricos, nesse começo de outono europeu, bem mais que necrológio ilustre, assinala ocaso de todo um ciclo, de valores, de ideias e de personagens. Da França da “grandeur” de Charles de Gaulle, que enfrentou e superou, airosa e heroica, todos os perigos da Guerra Fria, como alvo atômico evidente, no que teria sido a Pearl Harbour da terceira guerra mundial. A França do substrato cultural do ocidente, da Enciclopédia, do Iluminismo, do liberalismo e da república, da democracia moderna, à qual todos gostaríamos de pertencer. Da França, a segunda pátria de todos os amantes da liberdade.

Jacques Chirac foi o continuador e herdeiro da política com valores personalistas e conservadores do velho general, porém à sua maneira, com dicção e finesse, mas, ao mesmo tempo, com a bonomia popular do homem simples e sorridente das esquinas, cordial e confiável. Somando-se a tudo isso, pequenos deslizes pessoais, o que o fazia exemplo raro de produto eleitoral infalível. Europeísta de primeira hora, também aqui discrepou de seu mentor, tendo sido um dos promotores do fortalecimento da União Europeia, na aliança franco-germânica que ajudou a forjar, nos anos de ouro das comunidades, sempre a lembrar que também a Europa moderna nasceu em Paris, em 1957, com seu tratado fundacional do Carvão e do Aço.

Jacques Chirac foi o continuador e herdeiro da política com valores personalistas e conservadores do general De Gaulle

Um animal político, Chirac foi presidente da república entre 1995 e 2007, depois de vertiginosa carreira, em que se destacou como  primeiro ministro e, principalmente, como prefeito de Paris fadado à eternidade: até hoje os parisienses são orgulhosos de sua “água de torneira”, solicitada com garbo mesmo em restaurantes estrelados: “l’eau de Chirac, si vous plait!” Não isento de derrotas e de fracassos políticos monumentais, a par de condutas condenáveis e mesmo condenadas pela Justiça, apesar dos pesares marcou sua vida pública com posições firmes e respeitáveis, como contra a guerra do Iraque e ao reconhecer crimes nazistas perpetrados na França – e pela França de Vichy – contra uma das mais importantes comunidades judias da velha Europa. Ainda em vida, em 2014, recebeu a maior das homenagens que o inconsciente coletivo francês pode conferir a seus heróis maiores, com seu nome dado a importante museu, o de Quai-Branly, às margens do Rio Sena e próximo à Torre Eiffel.

Em sua visita de estado a Brasília, nos primeiros anos 2000, tive a oportunidade de secretariar, em tarde inesquecível, um encontro entre Jacques Chirac e Marco Maciel, ambos muito assemelhados em suas atuações públicas e crenças políticas liberais, como verdadeiros estadistas contramajoritários, em mundo à época recalcitrante em aceitar muitas das razões óbvias do iluminismo e do mercado inelutável.

Após deixar o poder, Jacques Chirac continuou popular e partícipe de campanhas eleitorais importantes, sempre motivo de atenção e de fascínio de seus concidadãos. Apesar de ter sido o grande nome da política conservadora na França moderna, o opositor respeitado e adversário histórico do socialista François Mitterrand, não hesitou em, já aposentado, apoiar a eleição do também socialista François Hollande contra o conservador Nicolas Sarkozy, o que causou muitas críticas em seu círculo, inclusive de sua mulher Bernadette.

Como homem da rua, conhecedor do barulho e do cheiro das ruas, como disse certa vez, mesmo a paixão pelo futebol não lhe foi estranha, desde a militância no time mais popular da França – óbvio e inconfessável trampolim político à prefeitura de Paris – até à vitória na Copa do Mundo, em 1998. Ele, em seu cenário ideal, a poltrona número um da tribuna de honra do Stade de France, o presidente da república e seu povo. Há quem diga que desde a queda da Bastilha nunca houve domingo tão feliz em Paris.

Jorge Fontoura é advogado e professor.

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