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| Foto: Neil Palmer/Wikimedia Commons

O governo norte-americano não é o único que anda se ocupando de cortar fundos da proteção ambiental; o Brasil está fazendo a mesma coisa.

Enquanto Donald Trump não tem o mínimo pudor em deixar claro seu desejo de reverter as leis ambientais promulgadas por seu antecessor, Michel Temer, que assinou o acordo de Paris, sinaliza inconsistência. A seu favor, há o fato de ter se comprometido, na capital francesa, a cortar as emissões de CO2 de seu país ao nível de 2005, ou seja, 37%, até 2025.

Acontece que, desde então, suas ações contam uma história bem diferente: no ano passado, o orçamento do ministério do Meio Ambiente foi reduzido praticamente pela metade, como parte do plano nacional de austeridade para enfrentar a recessão que castigava o país. E a Funai, agência responsável pela proteção das vastas reservas indígenas brasileiras, vem sendo basicamente desmontada por cortes draconianos de pessoal.

A verba que iria para o patrulhamento essencial para proteção da floresta contra o desmatamento ilegal também foi pulverizada. Em 2017, o Brasil foi o país mais perigoso do mundo para os defensores da terra e/ou do meio ambiente, de acordo com uma pesquisa do grupo Global Witness, em parceria com o jornal The Guardian: 46 pessoas foram mortas. (Segundo a Comissão Pastoral da Terra, grupo privado de defesa da população carente das áreas rurais, pelos menos 65 ativistas rurais foram assassinados em disputas agrárias.)

Se a redução pública de gastos com a proteção ambiental continuar, em breve talvez não haja nada que impeça as serras elétricas de invadirem a fronteira amazônica, onde a lei é fraca e a terra frequentemente apropriada e desmatada de forma ilegal. E as implicações disso vão muito além das fronteiras nacionais, já que a selva amazônica responde pela maior reserva de dióxido de carbono na superfície do planeta – gás estufa potente liberado quando as florestas são queimadas ou destruídas e abandonadas para degradação natural.

A verba que iria para o patrulhamento essencial para proteção da floresta contra o desmatamento ilegal também foi pulverizada

Os brasileiros vão às urnas em sete de outubro para escolher, entre nove candidatos, o futuro presidente, com grande probabilidade da realização de um segundo turno, algumas semanas depois, entre os dois mais votados. O resultado terá um peso mais que significativo para o futuro da Amazônia.

Atual líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro é cético em relação à mudança climática, inclusive sendo chamado de “Trump tropical”, e já ameaçou tirar o Brasil do acordo de Paris. Em segundo, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é visto como moderado na questão ambiental. Marina Silva, que já foi ministra da pasta e lutou pela limitação do desmatamento, pregando o desenvolvimento sustentável, não aparece bem colocada nas enquetes.

O nível de desmate vem crescendo desde 2012, e sem dúvida deve disparar se houver a instauração de uma série de leis e mudanças regulatórias que enfraqueça a proteção ambiental. O Brasil perdeu quase sete mil quilômetros quadrados de floresta amazônica em 2017, o equivalente a quase nove vezes a área da cidade de Nova York e 78 acima do teto do próprio governo para cumprimento das metas do acordo de Paris.

Em análise publicada em julho na Nature Climate Change, dez cientistas brasileiros concluíram que “o abandono da política de controle do desmatamento e o apoio político às práticas agrícolas predatórias” impossibilitarão o país de reduzir as emissões de CO2 no nível prometido na França. E fazem um alerta: a continuação de uma política ambiental fraca pode levar à perda de até 44 mil quilômetros quadrados de floresta/ano, pondo em risco o ecossistema amazônico inteiro.

Por que a mudança? Os especialistas resumem: “Em troca de apoio político, o governo brasileiro sinaliza seu aval aos latifundiários no que se refere ao desmatamento.”

O ministro da justiça, Torquato Jardim, defende um programa que permitirá ao agronegócio alocar terras indígenas que até o momento estão fora do alcance do uso comercial. Outras propostas efetivamente congelariam a criação de novas áreas de proteção, liberaria outras à exploração de recursos e bloquearia o mapeamento dos limites das terras indígenas, potencialmente abrindo as comunidades nativas e suas florestas à invasão de mineradoras e fazendas.

Leia também: O prejuízo com a biopirataria (editorial de 27 de dezembro de 2009)

Leia também: O Brasil está ficando sem proteção (artigo de André Ferretti, publicado em 30 de agosto de 2017)

As reservas indígenas contêm mais área florestal do que todas as unidades públicas de conservação juntas; historicamente, as tribos brasileiras vêm se mostrando muito mais eficazes na defesa da selva do que qualquer governante ou proprietário de terra.

A pauta antiambiental está sendo defendida pela coalizão de grandes proprietários de terras e do agronegócio no Congresso (a “bancada ruralista”). As revelações constantes de corrupção envolvendo ministros, deputados e o próprio Temer lhes garantiram cobertura para brigar por medidas regressivas, como a proposta de uma emenda constitucional que impediria as agências reguladoras de proibir a criação de estradas e construções danosas e/ou ameaçadoras em termos ambientais.

Dezenas de projetos para as regiões mais inacessíveis da Amazônia podem ganhar fôlego redobrado se a emenda for aprovada e, como consequência, o processo de reforma ambiental for esvaziado, o que, a essa altura, é muito provável. Por exemplo, a BR-319, de 870 quilômetros, se concluída, vai abrir uma área imensa da Amazônia central e setentrional ao desmatamento.

O fato é que além de pouco estar sendo feito para impedir o uso ilegal das terras, algumas leis até estimulam o processo. No ano passado, a lei do grileiro legalizou uma área de mais de 2.500 hectares apropriados ilegalmente, verdadeira carta branca para os especuladores e outros que se apropriam de terras públicas para uso próprio.

Não faz muito tempo, o Brasil vinha fazendo a coisa certa. Apesar dos preços internacionais baixos da soja e da carne bovina, a nação viveu uma expansão impressionante enquanto o desmatamento caiu 60%, de 2004 a 2007, provando que o crescimento ambiental é consistente com o progresso econômico. Entretanto, agora que a demanda por soja e carne no mercado global está em alta, a pressão sob a floresta cresce. O desmatamento ainda está bem abaixo dos recordes históricos, mas isso pode mudar rapidamente se o poder do lobby do agronegócio não for freado.

A mudança climática também aumentou o perigo de incêndios florestais catastróficos

Os ruralistas começaram a ganhar destaque no final do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e se tornaram ainda mais poderosos ao longo do da sucessora, Dilma Rousseff. Na sua administração, encerrada quando ela foi forçada a deixar o cargo pelo impeachment, os proprietários de terra que desmataram as florestas ilegalmente receberam anistia, o que serviu apenas para encorajar a transgressão na maior floresta tropical do mundo.

A mudança climática também aumentou o perigo de incêndios florestais catastróficos. Em anos de El Niño, mais secos, as áreas de queimada podem exceder, em muito, o que é desmatamento para a criação de pasto.

O fenômeno representa tanto uma ameaça para a Amazônia como motivo essencial para proteção das florestas. A transpiração das folhas das árvores gera um grande volume de umidade na atmosfera, agindo como “esteira” que leva a chuva tão necessária às áreas mais populosas do sul e à Argentina. São Paulo, que já chega perigosamente ao limite de suas reservas de água, será uma das principais vítimas se o desmatamento contínuo acabar com esse transporte de vapor da água que enche as represas do qual a maior cidade da América do Sul depende.

A própria floresta amazônica também vai sofrer. Conforme as áreas desmatadas forem aumentando, o imenso volume de chuva que ela mesma gera para permanecer verde vai começar a reduzir, agravando as secas, mais frequentes, devido ao aquecimento global – até que o ecossistema inteiro se esgotará, embora ninguém ainda saiba com certeza a proximidade em que nos encontramos do ponto crítico.

Leia também: Código Florestal Brasileiro, uma evolução pragmática (artigo de Maurício Antônio Lopes, editorial de 10 de outubro de 2017)

Leia também: Seremos capazes de preservar a Floresta Amazônica? (editorial de 6 de setembro de 2008)

A imensa maioria dos brasileiros sempre diz nas pesquisas de opinião que quer preservar a Amazônia, mas no momento atual de corrupção e ambição irrefreáveis nos altos escalões do poder, as vozes que pedem políticas sensatas são simplesmente abafadas.

Não foi o Brasil sozinho que criou o problema do desmatamento, como também não pode resolvê-lo por si só. A demanda pela carne bovina brasileira gerada pelos países ocidentais, e cada vez mais pela China, geraram uma tentação irresistível de acabar com a floresta em troca do lucro rápido.

As nações importadoras e os comerciantes brasileiros de soja e carne têm que manter a promessa de não comprar nada que tenha sido produzido em floresta desmatada. E as instituições financeiras mundiais têm que parar de financiar projetos que resultem em desmatamento, ao mesmo tempo em que devem aumentar a assistência ao Brasil e a outros países tropicais para ajudar a preservar suas florestas e buscar alternativas não destrutivas de explorá-las.

Só assim podermos garantir que a floresta amazônica, o coração vivo do Brasil – e do mundo – permaneça intacto.

Philip Fearnside é ecologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Richard Schiffman é jornalista ambiental.
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