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A polêmica de repercussão nacional em torno da legalidade da cláusula contratual da cobrança da franquia de pacotes de dados nos serviços de conexão à internet por banda larga fixa merece algumas considerações jurídicas. A Anatel, por sua Superintendência de Relações com Consumidores, adotou decisão cautelar para determinar às empresas que se abstenham de práticas de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia, ainda que estas medidas estejam previstas em contrato de adesão ou plano de serviço, até o cumprimento das condições impostas pela agência reguladora. As determinações devem ser cumpridas pelas operadoras em até 90 dias, após os quais podem ofertar e contratar planos de serviços com as franquias de dados.

A decisão da Anatel retrata o conflito entre os interesses dos consumidores dos serviços de banda larga fixa e as empresas prestadoras dos serviços de conexão à internet. A atuação da agência reguladora é uma demonstração da necessidade de se respeitar o direito à informação dos consumidores, com precisão e clareza, quanto ao consumo da franquia de dados nos serviços de conexão à internet por banda larga fixa. A legislação autoriza a intervenção da Anatel nas hipóteses de infração à legislação setorial, conforme dispõe a Lei Geral de Telecomunicações. Esta atuação da agência reguladora é boa, mas deveria ter ocorrido antes da lesão aos consumidores.

A intervenção da Anatel é boa, mas deveria ter ocorrido antes da lesão aos consumidores

Em relação às novas ofertas de serviços e aos novos contratos de prestação de serviço de internet banda larga fixa, as operadoras podem fazer a mudança do modelo de cobrança da franquia de dados, no lugar da precificação por velocidade de navegação. Mas, nos contratos antigos, fundamentados na cláusula de pacote ilimitado de dados, a operadora vincula-se ao contrato originário. Portanto, a mudança da forma de cobrança pela franquia é, em tese, para contratos novos, e é possível desde que comunicado previamente o consumidor a respeito do plano de serviços de internet banda larga fixa. Tecnicamente, é razoável cobrar em função da mensuração do consumo de dados: os consumidores que mais consomem devem pagar mais; os consumidores que menos consomem pagam menos.

Da interpretação do Marco Civil da Internet não é possível extrair a proibição direta legal da adoção do modelo de cobrança por franquia na banda larga fixa. E, ao que parece, a tendência futura é que prevaleça esse modelo, em vez do parâmetro da velocidade da navegação. Por outro lado, seria mais saudável para os consumidores a existência de mais agentes econômicos em competição no setor, para diminuir os preços dos serviços de conexão à internet.

Destaque-se, ademais, que os consumidores podem ser pessoas físicas ou jurídicas, sendo que ambas dependem de serviços e infraestruturas adequadas de redes de telecomunicações e internet. Aqui, há incidência do Regulamento Geral dos Direitos dos Consumidores nos serviços de telecomunicações e internet, e as pessoas que se sentirem prejudicadas com a mudança do modelo de cobrança da internet fixa podem acionar os órgãos de defesa do consumidor, inclusive o Poder Judiciário.

A tendência é a entrada deste novo tema na pauta da Justiça. Ao fim, o Judiciário brasileiro terá de decidir sobre a tese mais adequada à interpretação da legislação federal dos serviços de telecomunicações e internet. É saudável o debate público do tema para equilibrar e harmonizar os interesses dos consumidores e os empresariais, naquilo que for possível e na medida da legislação setorial.

Ericson M. Scorsim, mestre e doutor em Direito, é advogado especializado em Direito das Comunicações e autor do e-book “Direito das comunicações: regime jurídico de telecomunicações, internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura.
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