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Felipe Lima

Quem olha de fora pode até pensar que o mundo realmente está mudado: movimentos sociais ganhando força, leis antipreconceito, beijo gay na televisão, recorde de atores negros indicados ao Oscar, um filme sobre um homem negro, gay e pobre ganhando Oscar, preocupações cada vez maiores com os animais e o meio ambiente, desejos de igualdades de direitos, abolição de marchinhas de carnaval centenárias consideradas preconceituosas, machistas e ofensivas... tudo isso é muito bonito, mas não é lá muito real.

Quem se preocupa em cavar um pouquinho mais fundo vai perceber que a coisa não é bem assim. Se na tevê tem beijo gay, também tem pastor evangélico bradando o boicote (o mesmo pastor investigado por lavagem de dinheiro, diga-se); se no cinema tem premiação para uma história contra o preconceito, nos Estados Unidos tem cinema dizendo que não irá passar um filme com personagem gay porque “vai contra os valores familiares” (recentemente a Disney anunciou que um dos personagens de A Bela e a Fera, que estreia este mês nos cinemas, é gay – e ninguém parece se lembrar que o ator que interpreta o galante e másculo vilão do filme é homossexual assumido); se há a preocupação com os animais, tem macacos e crocodilos sendo mortos a pedradas e pauladas sem motivo algum; se de um lado marchinhas de carnaval ofensivas são abolidas, do outro mulher de turbante e homem de saia (fora do carnaval) são alvo de preconceito e ofensas gratuitas.

A questão parece ser: onde acaba a liberdade e começa o preconceito?

Enquanto uns lutam por direitos iguais, outros, ao mesmo tempo, lutam pela segregação cada vez maior. Recentemente, uma floricultura norte-americana foi condenada a pagar cerca de US$ 2 milhões em indenização por se recusar a fornecer flores para um casamento entre pessoas do mesmo sexo alegando crenças religiosas. Se para alguns a indenização é correta, pois a decisão da dona da floricultura, além de preconceituosa, vai contra as leis do estado em que ela vive, para outros é só mais um sinal de que a liberdade está sendo cada vez mais ceifada. A questão parece ser: onde acaba a liberdade e começa o preconceito?

Até que ponto proibir uma marchinha de carnaval ofensiva é censura ou luta por direitos? Quando se coloca religião no meio, então, o angu engrossa de vez. Até que ponto é válido defender (e esconder) seu preconceito sob um guarda-chuva religioso? É legítimo se recusar a atender um cliente que “ofende” suas crenças religiosas? Nunca é demais lembrar: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que este” – está na Bíblia. Não está escrito lá “amarás ao teu próximo, a não ser que ele seja gay, negro ou transexual”.

É de se pensar que a cada passo que damos para a frente, damos outro para trás. Enquanto parte da população luta por direitos iguais, uma parte proporcional luta pela segregação. Enquanto parte tenta unir, outra parte defende o muro. Enquanto uns pedem paz, outros incitam a violência. Enquanto uns brigam para acabar com o preconceito, outros perpetuam ideias machistas e homofóbicas de futuros candidatos à Presidência. Até que aprendamos a andar unidos na mesma direção, vamos permanecer no mesmo lugar. Em um mundo onde todo mundo tem voz, e essa voz é usada tanto para o bem quanto para o mal, parece que se esqueceu do primordial: Será que é tão difícil assim respeitar o outro, o que pensa e é diferente de você?

Flávio St Jayme, jornalista e empresário com formação em Pedagogia e História da Arte, é sócio-proprietário da agência Clockwork Comunicação e coautor de As Crônicas de Miramar.
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