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“A coisa mais difícil de entender no mundo é o imposto de renda”
| Foto: Bigstock

Se o leitor concorda com essa afirmação, saiba que está bem acompanhado. Albert Einstein, o gênio da Teoria da Relatividade, almoçava certa vez com seu contador em Princeton, EUA, quando divertidamente chegou à conclusão. O episódio está relatado na edição da revista norte-americana Time de 22 de fevereiro de 1963, em uma carta ao periódico subscrita pelo próprio contador de Einstein, Leo Mattersdorf, o qual acabou se tornando amigo do cientista. Mattersdorf retrucou Einstein dizendo que havia algo mais difícil, que era a Teoria da Relatividade, ao que o gênio respondeu: “Não, isso é fácil”.

Logo estaremos submersos na preparação de nossas declarações anuais de Imposto de Renda de 2021 (referente ao ano de 2020), reunindo documentos, cobrando médicos e dentistas por eventuais recibos não apanhados no tempo oportuno, solicitando às escolas os recibos de quitação das mensalidades, contratando profissionais contábeis ou preenchendo nós mesmos o programa gerador oferecido pela Receita Federal.

A complexidade do imposto de renda, no entanto, não é uma característica exclusiva do sistema tributário brasileiro. Moro há quatro anos nos Estados Unidos, onde concluí recentemente meu doutorado em Tributação Internacional, e quando comparo a nossa legislação com a norte-americana, constato que o imposto de renda no Brasil é bem menos complexo. Claro, se o conteúdo da comparação for o sistema tributário como um todo, o Brasil vence a disputa. É público que nosso emaranhado fiscal é campeão do mundo. Mas, quando comparamos apenas o imposto de renda, não temos algo tão complexo assim, principalmente quando se trata de pessoa física. Isso sem falar no compliance, que são as obrigações e formulários a serem entregues para garantir que fizemos tudo corretamente de acordo com a lei, também muito mais complicados nas terras ianques. Quando avançamos para o imposto de renda dos países europeus, também verificamos uma grande complexidade e, também por lá, superior à nossa.

Entretanto, o que incomoda, no fundo, não é propriamente a complexidade. O que incomoda é o fato de pagar imposto. A verdade é que ninguém gosta de pagar imposto. Reformulo: muito poucos o fazem na expectativa de busca pelo bem comum e têm a consciência de que, ao autorizar o débito da guia de arrecadação no internet banking, estão realizando seu dever como contribuintes para o financiamento do Estado, o qual tem a obrigação de concretizar aquele bem comum – afinal, existe para isso. Prova disso é que, historicamente, lícita ou ilicitamente, pessoas e empresas buscaram e buscam pagar o mínimo possível ou mesmo se esquivaram e se esquivam do próprio pagamento.

E por que fazem isso? As razões variam e o espaço é curto para explorar todas elas. Fiquemos com as nossas justificativas: o Brasil tem uma carga tributária alta, um sistema complexo e serviços públicos de má qualidade. Em outras palavras, não há retorno pelo peso dos tributos que pagamos. Mas, afinal, o que é uma carga tributária alta? Meu grande mestre José Roberto Vieira costuma dizer que uma carga tributária é alta quando ela é “sentida” pelos contribuintes. É profundo isso. Talvez tenhamos mesmo uma carga tributária alta.

Advindo a reforma administrativa e a reforma tributária como tem sido prometido, simplificadora neste primeiro momento e redutora da carga no futuro, quiçá teremos um Estado mais eficiente e deixaremos de “sentir” esta alta carga de impostos. Passaremos, então, a ter satisfação em pagá-los? Ou encontraremos outros motivos justificadores do nosso descontentamento? Reflitamos sobre isso. Essa reflexão, segundo penso, faz parte do nosso dever como cidadãos.

Os cidadãos da Dinamarca, por exemplo, não reclamam de pagar impostos. Pelo contrário: eles estão satisfeitos com a qualidade dos serviços prestados pelo Estado e todos têm acesso. O país é percebido como o menos corrupto do mundo no ranking do Índice de Percepção de Corrupção/Transparência Internacional (o Brasil está na 94.ª posição) e há um sentimento de confiança entre as pessoas. E a carga tributária é uma das maiores do mundo. Temos um longo caminho a percorrer nesse sentido.

Outra reflexão que permeia a discussão sobre o sistema tributário ideal é a de que ele deve ser “justo”. E aqui vai outra pergunta: o que é um sistema tributário “justo”? É aquele que cria regras tributárias em estrita obediência ao texto constitucional? Se for assim, por que não deduzir do Imposto de Renda Pessoa Física o aluguel despendido para moradia, uma vez que esta diretriz está eleita no artigo 6.º da nossa Carta entre os “direitos e garantias fundamentais” do povo brasileiro? A legislação infraconstitucional não permite essa dedução.

Quero chamar a atenção para o fato de que a construção de uma república é tarefa que cabe a governantes e governados. A República brasileira não foi uma obra acabada em 5 de outubro de 1988, quando promulgamos a Constituição em vigor. Foi uma obra iniciada naquela data. Portanto, não importa quem vai dar o exemplo de conduta, se governantes ou governados. O que importa é que ele será seguido.

Enquanto isso, continuemos nos preparando para a entrega do Imposto de Renda em abril, nos contentando com a sentença de Oliver Wendell Holmes, ministro da Suprema Corte norte-americana, que em 1927 justificou seu argumento em favor da cobrança de um imposto que estava sendo contestado naquela corte afirmando que “os impostos são o preço que pagamos por uma sociedade civilizada”. Que assim seja!

Dalton Dallazem é advogado especialista em Tributação Internacional, doutor em Tributação Internacional pela University of Florida (EUA) e em Tributação Doméstica pela UFPR.

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