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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Jonah Goldberg, autor de Fascismo de Esquerda, lançou um novo livro: Suicídio do Ocidente. O que o autor sustenta é que a humanidade passou por uma espécie de Milagre, que nos retirou do pântano, não de um Jardim do Éden. Criamos o Milagre da modernidade por conta própria e, se o perdermos, será nossa culpa também. Seu intuito é mostrar como evitar essa tragédia.

O primeiro fato que precisa ser atestado é que algumas culturas são melhores que outras, não por algum reclame metafísico, mas porque elas permitem que mais gente viva mais feliz, próspera e com vidas com sentido, sem que outras pessoas sejam machucadas no processo. São culturas que preservam as liberdades individuais, a propriedade privada, tudo sob o império das leis.

Há, porém, um detalhe: essas conquistas não são naturais. O capitalismo não é natural. A democracia não é natural. Os direitos humanos não são naturais. O mundo em que vivemos hoje não é natural. O estado natural é a miséria e muita violência, terminando com morte precoce. Foi assim por muito, muito tempo. Até que algo mudasse, quase por acidente.

A verdade impactante é que quase todo o progresso humano ocorreu nos últimos 300 anos. Em locais onde o capitalismo não tinha ainda dado o ar de sua graça, esse progresso, que retirou centenas de milhões da pobreza, deu-se nos últimos 30 anos. Ou seja, em uma única geração uma parte significativa da humanidade experimentou um progresso sem precedentes. Esse é o Milagre de que Goldberg fala.

O primeiro fato que precisa ser atestado é que algumas culturas são melhores que outras

Por quase toda a história, os homens não viveram tão melhor com duas pernas que os demais animais com quatro. Pela primeira vez, o grande desafio não é mais a sobrevivência precária, mas lidar com a abundância. Trata-se de um feito incrível e surpreendente. E isso só foi possível por causa de ideias. O autor chama o cerne dessa ideia de Revolução Lockeana, com uma profunda mudança no pensamento e nas atitudes populares. E quais são as bases dela?

O indivíduo passou a ser soberano; nossos direitos são divinos e inalienáveis, ou seja, não dependem de alguns poucos poderosos desejarem concedê-los a nós; os frutos do nosso trabalho nos pertencem; e nenhum homem deve ser menos igual perante as leis por conta de sua fé, classe ou raça. Tais princípios nortearam as incríveis mudanças ocorridas nos últimos séculos. Foi um milagre mesmo.

A sacada importante, contudo, é que nossa natureza humana se mantém relativamente constante, enquanto nosso entorno muda de forma absurdamente acelerada. A literatura nos fornece uma prova dessa constância de nossa natureza melhor do que a ciência. Quando lemos sobre personagens num passado distante, o que os faz reconhecíveis para nós é justamente o fato de serem humanos também, com todas as suas alegrias, tristezas, desejos, medos e loucuras. Nossa experiência é comum, apesar dos séculos de distância e de um cenário completamente diferente à nossa volta.

Por que isso é relevante? Porque nossa natureza humana, forjada ao longo de milênios, é tribal. E, como disse Hayek, os seres humanos ainda estão programados para compreender o mundo em termos tribais e pessoais. O ponto chave aqui é que nada daquilo que permitiu a construção do mundo moderno vem naturalmente para nós. Presumir, por exemplo, que um estranho seja alguém confiável para realizar trocas, e que ele também goza de dignidade humana e direitos, não é algo que surge naturalmente para nós.

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Num livre mercado com trocas voluntárias, a moeda acaba corroendo as castas e as classes e lubrificando a interação social. Certa vez, um judeu de Israel me contou uma história de um parceiro seu de negócios palestino, que lhe confessou ter vontade de destruí-lo, até mesmo matá-lo, mas que sabia que isso seria ruim para ele próprio e que tinha de tolerá-lo em prol do negócio. Empresários racistas estão fadados a perder lucratividade também, assim como machistas. O mercado civiliza.

O Milagre, então, vem dessa visão da mundo, é o produto de uma revolução burguesa, uma ideologia de classe média calcada no mérito, na inovação, no trabalho, em contratos e direitos. O capitalismo é o sistema mais cooperativo jamais criado para o avanço pacífico da vida das pessoas. Ele só tem uma falha grave: nós não sentimos como se fosse assim, pois nada disso é natural.

Uma sociedade civil saudável é o principal instrumento para civilizar o homem. Nós não somos civilizados ao nascimento, tampouco pelo governo. Chegamos ao mundo como os homens da caverna, os vikings, os astecas, os aborígenes, todos em seu estado bruto, cru. A partir da família, a sociedade civil apresenta aos homens uma conversação sobre o mundo e nosso lugar nele. A cultura é o estoque de conhecimento acumulado que ajuda a moldar nossos valores, sendo que nem tudo é apreendido de forma racional. Daí a importância das tradições, dos tabus, dos costumes enraizados.

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O tribalismo, porém, é sedutor, pois fala ao nosso estado mais natural. O modelo ocidental de vida exige muito trabalho, esforço, evolução, autocontrole, foco no longo prazo. Seguir instintos mais primitivos e tribais vem com muito mais naturalidade. Além disso, a democracia liberal capitalista não nos diz muito sobre sentido de vida; ela simplesmente nos dá liberdade e progresso material para que possamos buscar nossos próprios sentidos.

Muitas pessoas se sentem alienadas nesse ambiente, e adotam de forma reacionária posturas antiliberais. Querem regressar ao tal Éden perdido, resgatar um sentimento idealizado de uma solidariedade tribal imaginada, em que todos estão unidos. O romantismo surge como uma voz pela qual nosso primitivo interior pode gritar: “Deve existir alguma forma melhor!”

A corrupção de que Goldberg fala não é cair na tentação da propina, mas ceder aos encantos de nossa natureza humana, acatar aquela voz interior primitiva que sussurra sobre nossos sentimentos. Seria dar vazão aos nossos apetites sem qualquer tipo de freio moral, civilizatório. É permitir que o “bom selvagem”, que nada tem de bom, nos domine. É, enfim, abraçar a barbárie e virar as costas para a civilização. Sem esforço, a civilização morre, pois é isso que ela representa: esforço. A complacência é uma receita para um suicídio em câmera lenta. As primeiras civilizações que surgiram tiveram sucesso justamente por conquistar a natureza humana, não por se entregar a ela.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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