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O êxito das atividades investigativas estará garantido, tanto do ponto de vista da legalidade das diligências pretendidas como também da observância dos direitos dos investigados, de que seus sigilos fiscais e bancários somente sejam excepcionados nos estritos limites da necessidade e dentro das regras do jogo democrático.
O êxito das atividades investigativas estará garantido, tanto do ponto de vista da legalidade das diligências pretendidas como também da observância dos direitos dos investigados, de que seus sigilos fiscais e bancários somente sejam excepcionados nos estritos limites da necessidade e dentro das regras do jogo democrático.| Foto: Pixabay

As Comissões Parlamentares de Inquérito permitem que integrantes do Poder Legislativo exerçam prerrogativas institucionais de investigação e fiscalização. No atual contexto, de supostos ilícitos praticados pelo Executivo federal na gestão da pandemia, instaurou-se, no âmbito do Senado, a CPI da Covid-19, que tem por finalidade apurar eventuais desvios de conduta perpetrados no enfrentamento à disseminação do vírus Sars-CoV-2.

A investigação é oportuna, pois mesmo sendo certo que o governo federal não evitaria os mais de 500 mil óbitos ocorridos no Brasil em face da infecção pelo vírus, é bastante provável que a realização de ações federais alinhadas com os demais entes federados e pautadas no saber científico teriam o condão de, no mínimo, reduzir os dados superlativos de mortes e infecções.

A partir deste escopo de trabalho, os membros da CPI têm buscado informações a respeito de diversos assuntos, investigando, dentre outros aspectos, as ações e omissões do Ministério da Saúde, a destinação de verba federal para o combate à pandemia, o desabastecimento de insumos essenciais em hospitais públicos, o apoio à tratamentos precoces e preventivos sem comprovação de eficácia, a morosidade na negociação de vacinas, a existência de um “gabinete paralelo” de disseminação de informações de veracidade duvidosa a respeito da Covid etc.

No desenvolvimento desta atividade parlamentar, o texto constitucional confere aos membros das CPIs “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (artigo 58, § 3.º). Alguns destes poderes podem ser exercitados diretamente pela comissão. Outros, porém, dependem de autorização judicial e, por essa razão, diz-se que estão submetidos à reserva de jurisdição.

A grande indagação que se faz sobre este aspecto diz respeito exatamente à delimitação de quais prerrogativas estão submetidas à reserva de jurisdição e quais não estão. Em outras palavras, quais poderes a CPI pode exercitar diretamente e quais dependem de prévia autorização judicial? 

O tema assume especial relevo a partir das recentes notícias de que os membros da CPI da Covid pretendem realizar a quebra de sigilo bancário e fiscal de algumas pessoas, com a finalidade de identificar a real existência do tão falado “gabinete paralelo” e, caso isso se confirme, quem são os seus potenciais financiadores e beneficiários.

A definição das matérias afetas à reserva de jurisdição não é singela, pois a legislação não especifica, de forma clara e objetiva, os poderes que podem ou não ser exercitados diretamente pela CPI. É necessário, portanto, buscar respostas na experiência jurisprudencial, de modo a se poder dizer que é na casuística dos precedentes que se encontram estabelecidos os limites à atividade investigativa parlamentar.

E a análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal permite concluir que a decretação das quebras de sigilo bancário, fiscal e financeiro não está acobertada pela reserva de jurisdição, ou seja, a CPI tem a prerrogativa de, diretamente, determinar a realização destas diligências, sem necessidade de autorização do Poder Judiciário. É necessário, porém, compreender o sentido e o alcance desta afirmação. Afinal, não se está aqui a dizer que, no exercício da atividade investigativa parlamentar, a CPI tem o poder ilimitado e absoluto para devassar a vida financeira de qualquer cidadão, seja ele investigado ou não pela comissão.

Não por outro motivo, a própria corte constitucional define requisitos para que a quebra de sigilo possa ser considerada legítima, cabendo destacar três deles: a fundamentação concreta da medida; a demonstração da sua necessidade e pertinência temática com o objeto das investigações; e a indicação objetiva do seu limite temporal.

Pautando-se por esses critérios, o êxito das atividades investigativas estará garantido, tanto do ponto de vista da legalidade das diligências pretendidas como também da observância dos direitos dos investigados, de que seus sigilos fiscais e bancários somente sejam excepcionados nos estritos limites da necessidade e dentro das regras do jogo democrático.

Bruno Milanez é advogado, mestre e doutor em Direito Processual Penalespecialista em Criminologiaprofessor universitário e membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PR.

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