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A Praça dos Três Poderes, em Brasília, observada a partir do Palácio do Planalto
A Praça dos Três Poderes, em Brasília, observada a partir do Palácio do Planalto| Foto: Rogério Melo/PR

Sofrimento e mais sofrimento – esta é a vida da imensa maioria dos brasileiros, embora escondida atrás do seu jeito afável, aberto, receptivo e esperançoso. Não se aguenta mais as desastrosas ingerências do setor público, e isso está cada vez mais evidente a partir da crise provocada pela pandemia do coronavírus. O Estado, ineficiente e mal estruturado, pouco ajuda. Ao contrário, mais atrapalha que qualquer outra coisa. A iniciativa privada, refém do governo por conta da alta carga tributária, é quem paga o preço pelas políticas públicas com duvidosos interesses adotadas mandato após mandato, independentemente de qual partido esteja no poder. Ao lado, é claro, dos trabalhadores e da população em geral, que igualmente e infelizmente pagam o preço.

Passou da hora de uma mudança verdadeira em nosso país! Os discursos são cheios e as práticas são vazias, o que apenas protela e arrasta todos à continuidade de um grande engano. E o problema é que a estrutura estatal desaba quando enfrentamos uma crise sanitária como esta, agravada por problemas econômicos que já se arrastavam e potencializada por problemas políticos. Por isso, está mais que na hora de implantar as reformas tributária e administrativa, além das mudanças do sistema político e de uma ampla reforma estrutural do Estado brasileiro.

Entretanto, não se pode deixar matérias tão importantes e fundamentais apenas nas mãos de políticos. É preciso criar grupos de estudos e trabalho compostos por diferentes segmentos da sociedade civil organizada a fim de que as transformações não atendam única e exclusivamente aos interesses da classe política, como tem sido na história do país. Afinal, como diz a Constituição, todo o poder emana do povo e, então, este é o único titular e detentor do mesmo.

O direito constitucional de cada um de nós de termos realizada a (plena) dignidade da pessoa humana, por enquanto, consta apenas como um ideário teórico previsto na norma. Vejamos: quando se estabelece obrigatoriedade de intenso isolamento em razão também da ineficiência do sistema de saúde; ou quando se vê filas e mais filas em hospitais públicos e privados, com pessoas aguardando atendimento; ou, ainda, quando se testemunha cenas de um cemitério lotado com famílias enterrando seus entes queridos, todas imagens veiculadas pela mídia em geral, percebe-se, realmente, que o Estado é ineficaz, ineficiente, pesado e míope em suas condutas. E isso fere a dignidade da pessoa humana, um direito constitucional.

É preciso nivelar por cima em todos os setores e atividades, sejam elas públicas ou privadas. Não se pode mais tolerar ineficiências, ineficácias e ignorâncias, não se pode ser cúmplice do atraso e do retrocesso. É vergonhoso um país tão grande, rico e próspero como o nosso mendigar leitos de UTI, respiradores, máscaras de proteção e EPIs em geral ou até mesmo equipamentos para hospitais. Enfim, é tempo de derrubar os privilégios políticos absurdos, inconvenientes e até mesmo imorais, como auxílio-moradia, auxílio-paletó e auxílio-transporte, entre outros tantos e incontáveis penduricalhos. Sem contar as verbas para contratação de motoristas, secretários e assessores, dinheiro do suado imposto pago pelo cidadão e que, em grande parte dos casos, é mal utilizado pelos governantes.

Cada um de nós, quando trabalha em uma empresa, qualquer que seja, tem de arcar (no todo ou em parte) com o próprio transporte, com a própria alimentação e com a própria roupa que veste no cotidiano. Por que, então, os políticos são diferentes e nós é que devemos pagar essa conta? Se realmente fizessem um bom trabalho, até poderia ser justificável. Mas não é. O mesmo ocorre com a aplicação dos impostos. Não temos retorno do dinheiro que enviamos ao Estado. E aí precisamos pagar novamente, desta vez para empresas privadas, por educação, saúde e segurança, terceirizando o que deveria ser responsabilidade estatal.

Todo esse dinheiro, portanto, deveria ser melhor aplicado, carimbado para compra de equipamentos hospitalares, contratação de profissionais de saúde, investimento em viaturas e capacitação policial, entre outros aspectos. A economia vai mal, muito por culpa da máquina governamental inchada de supersalários imorais, aposentadorias exorbitantes e tantos outros aspectos. De políticos e de outros agentes do poder público, diga-se de passagem.

Não é um problema que as pessoas tenham uma boa remuneração, pois, como dito acima, deve-se nivelar por cima. Os problemas são os privilégios imorais, a ineficiência estatal dos serviços públicos, os cabides de emprego e o imenso número de nomeações políticas que permitem tráfego largo da corrupção e “crescimento na carreira” por amizades e conluios, não por meritocracia. A OAB, há pouco tempo, havia feito levantamento segundo o qual existiam dezenas de milhares de cargos públicos de nomeação política, somente em nível federal! Os cargos de confiança e comissionados (nomeação ad nutum) representam surpreendentes gastos de R$ 3,47 bilhões por mês.

Numa crise como a que estamos vivendo, por exemplo, além de observarmos as necessidades evidentes, advindas dos gargalos dos investimentos, percebemos ainda como é possível acelerar a concretização de projetos que, antes, demoravam anos para serem concluídos. Vontade política está em falta. Estudiosos e filósofos dizem que em tempos de guerra, pandemia e acontecimentos extraordinários, a tendência é acelerar as transformações na sociedade. Por isso, embora sob um imenso impacto no futuro do ponto de vista das dívidas e das contas públicas, assistimos a hospitais serem erguidos rapidamente e liberação de verbas para compras urgentes de equipamentos de saúde. São boas notícias, um consolo em meio a tantas informações tristes. Entretanto, convertem-se em brechas para o descontrolado gasto do dinheiro público e sua má aplicação. Também vimos notícias de equipamentos falsos sendo comprados, assim como máscaras superfaturadas em razão de gente que se aproveitou para vender mais caro ao governo.

Estamos à beira de um caos, que será sentido após o pico da pandemia do coronavírus. É como se fosse a ressaca depois de uma onda muito forte. Em 2020, o déficit público brasileiro pode chegar a um rombo extraordinário de R$ 600 bilhões. No ano que vem a expectativa é de que alcance R$ 150 bilhões, o que era esperado para 2020. Isso representa o quanto se gasta a mais do que se recebe, no poder público. Não é um absurdo? Enquanto isso, nossos nobres representantes não largam o osso do fundo eleitoral: sim, estamos bancando as campanhas político-partidárias para eles nos enganarem com falsas promessas.

Basta! Precisamos de um Estado que forneça serviços mais adequadamente e que fortaleça mais a iniciativa privada, que lhe permita ter liberdade econômica de investir, sem estar amarrada a impostos e tributos jogados ralo adentro. Por óbvio que também se precisa de segurança jurídica, portanto, de leis mais claras e equalizadas, de decisões judiciais mais regulares e de um sistema jurídico mais objetivo, menos dissonante e mais justo. Assim, será possível dar melhores condições às empresas (que são as fontes de geração de empregos e trabalhos), bem como potencializar a mão de obra, valorizando-a financeiramente, dando plenas condições de que o trabalhador consiga pagar suas contas e lhe sobrar recursos para viajar, comprar um carro, reformar a casa.

Esta crise nos fez assistir a tantas boas iniciativas se desenvolvendo! A educação a distância que se mostrou possível com escolas e professores se adaptando à nova realidade, embora careça ainda de melhorias e adequações; atendimentos médicos, psicológicos, aulas particulares e tantas reuniões realizadas por videoconferência agilizam processos e economizam tempo e dinheiro, sem falar das audiências judiciais por chamadas de vídeo, cenário que ainda será impactado com tudo isso.

Estamos vivendo, embora no início, uma grande oportunidade de mudanças. O Brasil, e cada um de nós, não pode perder esta imensa janela que se abriu para discutir tais temas e exigir transformações sérias, extensas e reais em todos os níveis da administração pública de nosso país. Que possamos dar, definitivamente, um basta à ineficiência e aos modos arcaicos de enfrentarmos (nós e o Estado) os problemas, que não sejamos cúmplices dos atrasos do Brasil e que desvelemos de vez um novo tempo!

Jossan Batistute é advogado especializado em questões societárias, mestre em Direito Negocial e professor em programas de graduação e pós-graduação.

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