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Policiais fazem guarda na Westminster Bridge, Londres, 6 de abril.
Policiais fazem guarda na Westminster Bridge, Londres.| Foto: Tolga AKMEN / AFP

Teve algum destaque na imprensa o fato de a Finlândia, país nórdico com cerca de 5 milhões de habitantes e que foi ocupado pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, ter, após esse confronto, adotado uma política de estabelecimento de diversos planos de contingência para ameaças bélicas, climáticas, de dados e sanitárias, o que garantiu a este país, nessa recente pandemia da Covid-19, dispor de armazéns de emergência com estoque de diversos itens, inclusive respiradores, suprimentos cirúrgicos, luvas, máscaras e capas de proteção, o que o protege da relação agressiva entre os compradores na busca desses insumos, concentrados em um pequeno grupo de fornecedores no mundo.

Situação que merece o nosso aplauso simbólico da sacada. Assim como merecem aplausos efusivos todos os profissionais de saúde e funções correlatas, pelo esforço que têm demonstrado nesse momento de crise. Entretanto, mais do que aplausos, essa notícia nos traz uma profunda reflexão no campo da gestão de riscos, em especial pelas discussões de planos de contingência e a relação destes com as ações de gestão de crises.

A expressão “gestão de crise” virou figurinha fácil nesse cenário pandêmico, como receituário para dar conta das situações vivenciadas, sendo este conceito, a grosso modo, um conjunto de ações adotadas após a eclosão de um problema de grandes proporções para reduzir os seus impactos, com equipes específicas, profissionais preparados e ações também de comunicação social, para resguardar a imagem da organização. Ela se materializa no gabinete que se instala diante da situação.

O plano de contingência seria a resposta, digamos, “pré-fabricada” para um risco de alto impacto e baixa probabilidade identificado no processo de gestão de riscos. Um conjunto de ações mantidas durante o tempo e que, se ativadas, buscam reduzir os impactos dos eventos desastrosos. Isso demanda investimento, às vezes pontual, mas também permanente. São boias no meio do oceano para avisar de um tsunami, é a manutenção de uma equipe de brigadistas no prédio da organização, ou a sala-cofre que armazena os dados, só para exemplificar.

O plano de contingência, como resposta a um risco muito incerto, é um exercício de fé naquele risco. Não a fé em um sentido transcendental, mas a lembrança de que aquela probabilidade é pequena, mas existe, e que não se pode improvisar uma resposta rápida aos impactos da materialização do risco, dada a sua complexidade. A vivência de grandes desastres reforça essa fé, mas com o tempo ela se esmaece, por força das demandas do presente.

É comum se ouvir que a Covid-19 é um “cisne negro”, dentro da ideia de que é um evento raro, aleatório e inesperado, praticamente imprevisível. Na gestão de riscos, os eventos são avaliados pela sua probabilidade de ocorrência e pelo seu impacto nos objetivos, para então se tratar ou aceitar esses riscos, diante de uma visão do chamado apetite ao risco. Importa identificar o risco a ser tratado e, no caso da pandemia, existiam informações a mancheias de que o risco de uma doença respiratória poderia atacar os países, como se deu com a H1N1 em 2009 ou a síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers) logo depois. O risco de pandemia aparecia em livros sobre prospecção vendidos no jornaleiro, ou ainda na clássica palestra de Bill Gates em 2015.

A questão não é ser surpreendido pelo risco, o que é muito difícil de ocorrer. Talvez o pouso de um disco voador em Manhattan em dezembro nos surpreenda. Talvez nem isso. O ponto é que a identificação e avaliação desses riscos gera a necessidade de planos de contingência, com ações permanentes, e que demandam recursos de implementação e de manutenção, em uma perceptiva imobilização.

Entretanto, sem esses planos de contingência não há sucesso razoável para as iniciativas de gestão de crises, que serão paliativas e improvisadas, às vezes cosméticas, o que traz uma questão: como financiar planos de contingência, voltados a riscos incertos e futuros, e que precisam disputar o orçamento atual com outras demandas prementes, e que têm mais poder de pressão no sistema político? Uma questão que merece ser debatida após essa crise, pois, se não estamos preparados, preparar-se custa dinheiro.

O elenco de riscos de baixa probabilidade e alto impacto, de efeitos globais, é razoável, tendo só nesse século que se inicia se materializado em riscos biológicos, de terrorismo, de desastres naturais, o que demanda preparo, como nosso exemplo inicial da Finlândia, mas que não se resolve apenas com voluntarismo, e sim com ações de planejamento estratégico, criação de estruturas organizacionais e garantias orçamentárias específicas, que terminam por burocratizar o orçamento para eventos presentes. Os mínimos de aplicação constitucional em saúde e educação são exemplos legislativos de mecanismos de preservação de recursos que têm efeitos geracionais futuros, diante de situações incertas, mas possíveis.

A gestão de crises depende diretamente da eficiência da gestão de riscos realizada anteriormente, e que se materializa em planos de contingência que precisam ser sustentáveis, em uma visão prospectiva, de construção de salvaguardas. O povo finlandês, após sofrer na guerra, passou a custear, com o suor do seu trabalho, planos traduzidos em armazéns com itens que irão protegê-los de riscos logísticos diante de  eventos graves, em um custo que ontem parecia grande nas discussões orçamentárias, mas que hoje, no universo da pandemia, se mostra desprezível perto do que essas iniciativas permitem evitar, no robustecimento da gestão de crises.

Marcus Vinicius de Azevedo Braga é doutor em Políticas Públicas e autor de livros e artigos na área de controle governamental.

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