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A escravidão bate à sua porta
| Foto: Simedblack/Pixabay

Nem todo escravo nasce consciente dos grilhões que o aprisionam. Há aqueles – especialmente os da “primeira geração” de escravos – que recebem a notícia aos poucos.

Foi assim com os hebreus no Antigo Egito. O livro de Êxodo narra que, enquanto José era vivo, os hebreus eram uma espécie de elite excêntrica que vivia no subúrbio. No entanto, os anos se passam, José morre, faraós vêm e vão e, gradativamente, o povo estrangeiro passa a ser visto como esquisito.

“O povo dos filhos de Israel é muito, e mais poderoso do que nós”, preocupa-se o rei egípcio (Ex 1,9). A melhor forma de lidar com este fato é impedi-los de tomar consciência dele. Por isso, impostos são aumentados, direitos são subtraídos e metas humanamente impossíveis começam a lhes ser dadas.

Curiosamente, tudo aconteceu por meio da construção civil. Em um dia que amanheceu como outro qualquer, os hebreus recebem a notícia de que, a partir de então, estariam “convidados” a contribuir com as grandes obras faraônicas por meio da fabricação de tijolos.

Imagino que tudo começou como o tipo de convite irrecusável, tal qual carnê de IPTU. Até que, gradativamente (a repetição deste termo não é mera coincidência), a fabricação torna-se tabulada, regulada pelo governo, compulsória e, finalmente, obrigatória para quem deseja permanecer vivo.

Estava instaurada a escravidão. Ela não veio com um estrondo, mas com pequenas batidas à porta da liberdade. Não foi estrondosa por uma única razão: aquele que a regia estava morrendo de medo. Se aquele povo era “mais forte” e “mais numeroso”, o próprio faraó admitia ser mais fraco e menor. Como, então, era ele quem estava com o chicote? Como pode o mais forte aceitar passivamente a ditadura imposta pelo mais fraco?

A resposta é tão gradativa quanto a realidade. As maiores tiranias da história começaram aos poucos. Você sabe como é. Primeiro, é aconselhável não sair de casa. Depois, você é simplesmente proibido de sair dela. Primeiro, ter bons hábitos de higienização das mãos é recomendável para quem deseja se cuidar. Depois, não passar álcool em gel passa a ser visto como coisa de troglodita. Primeiro lhe dizem que a OMS sabe o que faz. Depois, a OMS diz o que você precisa fazer. Primeiro, a máscara branca hospitalar começa a ser vista pelas ruas. Depois, você começa a receber dicas de como customizá-las, pois (toc toc) você não está mais autorizado a andar sem elas.

Primeiro lhe chamam de colaborador, mas, se encontram resistência, você passa a ser um negacionista. Primeiro os telejornais parecem prestar um serviço relevante, informando em quais estados o vírus avança e quantas pessoas infelizmente morreram hoje. Depois, eles empilham cadáveres e semeiam a certeza de que você, reles hebreu, é corresponsável pela morte de cada um dos seus compatriotas.

Primeiro é sobre sobreviver. Depois é sobre encontrar uma nova forma de viver. Primeiro é sobre um vírus. Depois é sobre o “novo normal”. Primeiro, torcemos para que um dia a pandemia acabe. Depois somos informados de que nada será como antes.

A escravidão bate à sua porta. Abra-a antes que ela a derrube.

Será que o primeiro hebreu escravizado reuniu palha para os tijolos egípcios sem saber que não tinha outra opção a não ser fazer aquilo? Ou será que, enquanto o trabalho duro e sem remuneração lhe era imposto, ele inocentemente acreditava que “cada um deveria fazer a sua parte, afinal”?

Imagine um grupo de criancinhas hebreias com joelhos ralados e mãos sujas ouvindo dos mais velhos: “Eu ainda me lembro de quando podíamos acordar a hora em que quiséssemos. Parece que foi ontem que podíamos andar pelo Centro!” Intrigada, uma das crianças – a mais esperta e, portanto, destinada às chicotadas mais ferozes – levanta uma das mãos e pergunta: “Mas, vô, como vocês não perceberam?!”.

O avô sorri pesaroso. Não, eles não perceberam. Ou talvez tenham percebido, mas estavam ocupados demais simplesmente obedecendo. Afinal, primeiro é sobre fazer a coisa certa. Depois, é só sobre fazer a única coisa possível.

Foi assim com os hebreus e tem sido assim desde o surgimento do vírus chinês. Acredito plenamente que um dia estaremos na sala de estar (ou em um bunker) e um de nossos netos – o mais esperto – coçará o nariz, retirando a máscara por um instante, e nos perguntará: “Mas, vô, como vocês não perceberam?!”.

A resposta não será fácil. Sim, alguns de nós percebemos. Mas será que havia o que pudéssemos fazer?

Arthur Vivaqua é pastor, teólogo e consultor de estratégia e marketing aplicados à educação.

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