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Imagem ilustrativa.
Imagem ilustrativa.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar.” (General Ernesto Geisel, em entrevista de 28 de julho de 1993)

Este país, o Brasil, parece não ter mais jeito. Quando se acende a esperança, é aí mesmo que a desesperança desaba sobre nós.

Votei na esperança do combate à corrupção, como bem falei em um artigo que publiquei durante a campanha eleitoral de 2018. O título do artigo já em si era bastante sugestivo: “Uma única razão para votar em Bolsonaro: a esperança”. Destaco um trecho daquele artigo, escrito sob o entendimento que tinha de Jair Bolsonaro à época:

Há um manifesto nas redes sociais em que o autor (ou autores) relata 60 motivos para ele (ou eles) votar no candidato de Lula, Fernando Haddad. Faço, então, o meu contraditório. Eu não preciso de 60 motivos para não votar em Haddad. Basta-me um: saber que ele é, como se declara, o próprio Lula, ou seja, o “alter ego” do prisioneiro de Curitiba, o maior corrupto da história política das democracias ocidentais, em todos os tempos. Basta-me saber que Haddad foi o candidato concebido e gestado pelo “Princeps Corruptorum” lá na cadeia em Curitiba, onde cumpre pena judicial por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. E pergunto: como é possível uma pessoa, que certamente se considera honesta, votar num candidato gestado e parido por um encarcerado por corrupção e lavagem de dinheiro?

Basta-me uma única razão para não votar em Haddad (ou seja, em Lula): a mesma razão pela qual eu jamais votaria em Fernandinho Beira-Mar (ou alguém por ele indicado) para cargo público algum. Mas, mesmo assim, façamos uma reflexão:

Não votar em Bolsonaro significa um voto a menos contra a desgraça do lulopetismo que se abateu sobre o Brasil. É um voto a menos de protesto contra o que de mais danoso, de mais sórdido, de mais incompetente, de mais corrupto se abateu sobre o Brasil nos últimos 14 anos.

Sobre Bolsonaro, tem-se algumas certezas: 1. Jamais roubou, ou esteve do lado de quem rouba; 2. Sempre combateu a corrupção e os corruptos; 3. Jamais atacou a Lava Jato, o Judiciário e o MPF por essas instituições combaterem a corrupção (pelo contrário, sempre mostrou apoio entusiástico ao combate à corrupção que estas entidades oferecem); 4. Nenhuma suspeita de malfeitos, inclusive contra mulheres e homossexuais. As aleivosias gestadas na máquina lulopetista, azeitada a milhões da corrupção, fazem parte da estratégia de “fazê o diabo prá ganhá eleição” e têm se mostrado apenas isso: aleivosias.

Esperava, então, que a futura vaga de Celso de Mello viesse a ser ocupada por alguém comprometido com a honra da corte e do país. Portanto, ocupada por alguém que, jurista conhecido e reconhecido – além de possuidor de caráter ilibado, claro –, fosse indubitavelmente comprometido com a Lava Jato e com o combate à corrupção institucional. Esperava isso, fui levado por Bolsonaro a sonhar com isso, durante a sua campanha. Aliás, após eleito, Bolsonaro foi buscar para compor o seu governo o maior símbolo da Lava Jato, o ínclito juiz Sergio Moro. Mas, parafraseando Carlos Drummond, tinha um Flavio Bolsonaro no meio do caminho... O resto é história sabida. A integridade e impessoalidade de Moro não lhe permitiram mexer na PF para blindar Flávio e o próprio Jair, como este exigia. A incompatibilidade se armou e Sergio Moro teve de deixar o governo.

Se Moro, ou alguém de sua qualidade moral e jurídica, tivesse substituído Celso de Mello – como era a esperança instilada por Bolsonaro na época da campanha eleitoral –, contar-se-ia hoje com seis votos no STF para se retornar ao entendimento da prisão após condenação em segunda instância. Sem esta jurisprudência não haverá combate possível à corrupção de colarinho branco no Brasil. Sem esta jurisprudência, não adianta, por exemplo, condenar Lula em “n” processos a um total de “m” anos de cadeia. Teremos de ficar esperando o “trânsito em julgado” após o processo percorrer quatro (!) instâncias judiciais, demorando em cada uma um tempo descomunal, tal o número de chicanas jurídicas que a legislação brasileira permite. Quatro absurdas instâncias judiciais! Mais uma jabuticaba que, em sendo jabuticaba, só dá no Brasil.

Esta miragem, o trânsito em julgado – sabe-se por experiência pregressa –, só será alcançada nas calendas gregas, aquelas datas que nunca chegam porque nem existem. Gente como Lula, Zé Dirceu (este já condenado a mais de 30 anos de reclusão) e demais membros da espécie Homo corruptus não voltarão mais a ser presos e ponto final. Seus processos, com elevada probabilidade, prescreverão. Eis a que ponto se chegou neste país dos imensos absurdos!

Essa desgraça toda compõe o quadro atual e futuro do Brasil. Por quê? Porque Jair Bolsonaro, em vez de escolher o substituto de Celso de Mello com aquele perfil desenhado acima, escolheu – atendendo a recomendação do senador Ciro Nogueira – o oposto do que seria correto e compatível com as promessas de moralização da campanha: escolheu Kassio Nunes Marques, que fizera carreira galopando nas costas de Lula (duas vezes) e de Dilma Rousseff. Claro, culmina sua carreira “jurídica” galopando, desta vez, nas costas de Jair Bolsonaro. Eis, enfim, alguma coisa muito clara a ligar Lula, Dilma e Jair Bolsonaro: os três deram uma mãozinha milagrosa à carreira de Kassio Nunes Marques.

E quem é Ciro Nogueira, aquele que levou Kassio Nunes ao Planalto e o apresentou a Jair Bolsonaro? Segundo a PGR, em denúncia de 10 de fevereiro 2020 ao STF, o senador Ciro Nogueira teria recebido R$ 7,3 milhões em “vantagens indevidas” da construtora Odebrecht. Esse valor seria proveniente de doações eleitorais legais e ilegais que tiveram origem no esquema de corrupção na Petrobras.

Então tá: Ciro Nogueira, figura do Centrão no Senado, enrolado na Lava Jato, apresentou a Jair Bolsonaro seu eventual futuro juiz no STF. Coisa linda e séria, pois não? Mais do que isso, apresentou o eventual futuro juiz de Flavio Bolsonaro e do próprio Jair, este último agora envolvido em pelo menos dois inquéritos no STF. O primeiro é o INQ 4.828, que investiga violações à Constituição durante realizações de atos em apoio ao presidente, em especial os realizados no dia 19 de abril de 2020. Na ocasião, o presidente compareceu a um protesto em que apoiadores defenderam intervenção militar e a edição de um novo AI-5; o segundo é o INQ 4831, que apura eventual interferência política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. Foi instaurado após a exoneração de Moro do Ministério da Justiça, por recusa ao desejo do presidente de colocar um amigo da família no comando da PF.

Chamar esta apresentação de Kassio Nunes por Ciro Nogueira a Jair Bolsonaro, no Alvorada, de coisa de republiqueta bananeira é ofender as republiquetas bananeiras da América Latina, coitadas. Isto é coisa de Uganda, quando ainda era dirigida por Idi Amin Dada, entre 1971 e 1979.

No STF, Kassio já faz parte da notória Segunda Turma, onde lá já conspiravam contra o combate à alta corrupção no Brasil figuras como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Os três – Gilmar, Lewandowski e Kassio – agora formam maioria absoluta a favor dos acusados de alta corrupção.

Aliás, durou um minuto e 30 segundos o primeiro voto de Kassio naquela Segunda Turma, e ele não errou o alvo: acompanhou o relator Gilmar Mendes – um dos “fiadores” de sua candidatura ao STF – confirmando, por 4 a 1, a soltura de um promotor denunciado por corrupção em um esquema derivado da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Mas não ficou apenas neste voto sua adesão firme a Gilmar Mendes naquela sessão: Kassio também votou com Gilmar e Lewandowski para, por 3 votos a 2, retirar da 7ª Vara da Justiça Federal (Lava Jato) – que tem como titular o juiz Marcelo Bretas – o processo sobre pagamento de propinas por empresários do setor de ônibus no Rio de Janeiro, enviando-o a tramitar na Justiça Estadual do Rio de Janeiro. Esses beneficiados de agora pela Segunda Turma devem estar, em seus íntimos, festejando agradecidos: Obrigado, senador Ciro Nogueira! Obrigado, presidente Jair Bolsonaro! Mas esse tipo de festa está apenas começando.

No pleno do STF, Kassio se somará a Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber, supostamente recompondo, de forma sólida e coerente, após a saída de Celso de Mello, a “facção pró-crime”, nome atribuído a este grupo pelo notável articulista J. R. Guzzo. A esperança da mudança de jurisprudência para a prisão após condenação em segunda instância foi para o espaço. Durante a próxima década, pelo menos, este quadro trágico não se mudará. Fico estarrecido ao notar que assunto tão nefasto ao país esteja praticamente ausente do noticiário nacional.

A alta corrupção nacional deve estar exultante. Imagino que políticos como Ciro Nogueira devem ser todos alegria. Também penso que Jair Bolsonaro e seu filho Flávio já podem respirar aliviados. Já eu, como certamente muitas pessoas que entendem o que está acontecendo no Brasil, estamos muito tristes e decepcionados.

A minha esperança, demonstrada naquele artigo de campanha referido acima, também evaporou-se. É coisa muito triste, mas, em se vivendo neste país, convenhamos, dificilmente nos surpreendemos. Mas não consigo enxergar, na história republicana deste Brasil, estelionato eleitoral de maior porte do que este da eleição de Jair Bolsonaro.

José J. de Espíndola é engenheiro mecânico, mestre em Ciências em Engenharia, doutor pela Universidade de Southampton (Inglaterra), doutor honoris causa pela UFPR e professor titular aposentado da UFSC.

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