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Diante de temas complexos como o que ora se apresenta, é preciso ter em conta que as normas constitucionais são dotadas de textura aberta, que favorece a construção de distintas interpretações. As interpretações, desde que fundamentadas, podem ser transformadas diante de um caso diferente ou de um diferente contexto. Não há aqui uma verdade absoluta. Existem argumentos constitucionalmente válidos, diante dos quais o Supremo Tribunal Federal deverá se posicionar.

Considerando esta premissa, é importante destacar que a redação constitucional debatida (artigo 5, inciso LVII) indica a vedação da culpabilidade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas não a vedação da prisão. Se assim fosse, todas as prisões ocorridas antes do trânsito em julgado seriam inconstitucionais – bem como seriam inconstitucionais os dispositivos que as autorizam.

Quando o recurso extraordinário chega ao STF, o recorrente já passou por ao menos dois julgamentos

Corrigindo um erro com outro erro

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Ademais, para além da questão teórica posta, é de se notar que o intérprete constitucional age diante do mundo. Nessa medida, não basta que a decisão judicial seja correta, coerente e fundamentada juridicamente; é preciso que, para além de ter sentido diante do ordenamento, a decisão tenha sentido diante da realidade na qual é proferida. Daí que, na prática, alguns dados precisam ser tomados em consideração para a análise do tema.

Quando o recurso extraordinário chega ao Supremo Tribunal Federal, o recorrente já passou por ao menos dois julgamentos: na primeira instância e no segundo grau de jurisdição. Nos dois julgamentos referidos é possível analisar o caso concreto vinculado ao recorrente, discute-se a prova e discute-se a culpa – há ampla defesa. De outro lado, os recursos aos Tribunais Superiores, tecnicamente, não analisam o caso concreto, não revisam provas e, por isso, passam à margem do tema da culpa. Tudo isso implica no fato de que, como indicou o ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto no HC 126292, as decisões absolutórias nesses casos não cheguem a 0,1% do total.

Não se está alegando aqui que em todos os casos de condenação na segunda instância ocorra a imediata execução da pena. Sabe-se que, em situações excepcionais, é possível valer-se de medidas cautelares que assegurem o efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Reitere-se, então, que não se está negando esta hipótese, apenas se está indicando que seja a exceção e não a regra. Nesse sentido, evidentemente os argumentos que justificam a defesa de que a execução da sentença condenatória pode acontecer antes do trânsito em julgado visam, principalmente, alcançar a efetividade da tutela jurisdicional. Sabe-se que o argumento é antipático em alguma medida, por seu caráter consequencialista, mas nem por isso pode ser ignorado.

Essa discussão passa, ainda, como lembra o ministro Edson Fachin, no mesmo acórdão acima referido, pela compreensão da função do STF: se o queremos terceira instância recursal ou se o queremos efetiva corte constitucional. A discussão não é recente. Já quando da reforma do Poder Judiciário, pela Emenda Constitucional 45/2004, muitos se colocavam contra o mecanismo da repercussão geral ou das súmulas vinculantes, por exemplo. Alegavam que tais institutos impediriam o manejo dos recursos extraordinários ou violariam o livre convencimento dos magistrados de primeira instância. Hoje, foram superadas essas teses, pois está claro que o recurso extraordinário não se presta a analisar questões individuais e que os órgãos do Poder Judiciário, em geral, não estão livres para divergir da jurisprudência solidificada dos Tribunais Superiores. Essa reflexão, sobre o papel que queremos para o STF, deverá ser absorvida também no debate quanto aos efeitos do recurso extraordinário em matéria penal.

Claudia Beeck Moreira Souza é professora de Direito Constitucional do UniBrasil Centro Universitário.
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