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As chamadas agências reguladoras foram criadas no Brasil a partir de meados da década de 90 do século passado, com o alegado intuito de conferir maior eficiência à regulação de setores econômicos tidos por relevantes pelo Estado brasileiro. Usando como inspiração o modelo das independent agencies (“agências independentes”) norte-americanas, foram instituídas, sob a roupagem jurídica de autarquias, entidades como Aneel, Anatel, ANP, ANTT, Anac etc.

No entanto, a necessária autonomia das agências reguladoras brasileiras em relação ao Poder Executivo, fundamental para a consecução de suas missões regulatórias com a eficiência pretendida, jamais foi efetivada na prática. Desde o início, o Executivo encabrestou as agências e tornou-as mera extensão dos gabinetes ministeriais – e, o que é ainda pior, mera extensão de empresas estatais que deveriam estar sendo reguladas, fenômeno denominado revolving door, em analogia às portas giratórias comuns em agências bancárias (exemplo ilustrativo é a relação de simbiose entre ANP e Petrobras). A autonomia das agências, portanto, ainda que assegurada na legislação específica de sua criação, jamais foi observada no seu aspecto mais fundamental: a autonomia gerencial, de administração e condução das decisões da entidade.

O Executivo encabrestou as agências e tornou-as mera extensão dos gabinetes ministeriais

Outro aspecto importante para a funcionalidade das agências diz respeito à sua autonomia normativa – igualmente assegurada por lei – para regulamentar aspectos técnicos do setor regulado. O tema passou (e ainda passa) por intensas discussões na doutrina do direito administrativo no que diz respeito à extensão dessa competência normativa, mas fato é que ela existe e costuma ser respeitada. Ou costumava.

Surpreendeu a notícia da Lei 13.116/2015, publicada no último dia 20 de abril, com a finalidade de estabelecer “normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações”. E a surpresa se deve ao fato de que, nos termos do art. 19, XIV, da Lei 9.472/1995, compete à agência reguladora instituída para o setor de telecomunicações (no caso, a Anatel) “expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais”, sendo que o tema do compartilhamento de infraestruturas certamente está abrangido por dita competência – tanto é assim que, em 2001, a Anatel editou a Resolução 274, que consiste justamente no “Regulamento de Compartilhamento de Infraestrutura entre as Prestadoras dos Serviços de Telecomunicações”.

No cenário nacional de domesticação das agências, a Lei 13.116/2015, ainda que editada com boa intenção, ainda que possa impactar positivamente a práxis regulatória do setor, e ainda que técnica e juridicamente não apresente problemas, autoriza um prognóstico preocupante no ponto em que praticamente promove a revogação tácita do art. 19, XIV da Lei 9.472/1995: o completo desapego à missão das agências reguladoras no sistema regulatório brasileiro por parte de agentes políticos cada vez mais alheios e indiferentes à sua autonomia. Se a atuação da agência está insatisfatória – muitas vezes por culpa do próprio poder público, que a deixa repleta de cargos vagos, inclusive na diretoria –, a solução adotada é, em vez de aparelhá-la e fiscalizá-la, alijá-la do processo regulatório para o qual foi criada, provocando um verdadeiro locaute regulatório.

E assim, em vez de extinguir de uma vez as agências, incorporando-as aos ministérios – o que seria a consequência lógica e racional de suas ações –, o poder público (aí inclusos Executivo e Legislativo) prefere mantê-las, amorfas, conferindo-as a ornitorrínquica natureza de “agências reguladoras dependentes”. Ovos elas não põem, mas que ao menos “façam bico” a (mais) essa demonstração de desprezo.

Fernando Menegat, advogado e mestre em Direito, é professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo e de Direito Econômico das Faculdades Santa Cruz.
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