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Alguns anos atrás, a favela – ou os moradores de favela – era responsabilizada pela maioria das desgraças sociais. A própria palavra "favela" era evitada por alguns moradores. Assumir que se era morador de favela renderia alguns rótulos, pois algumas pessoas acreditam que parte das mazelas ocorridas na sociedade é culpa dos "favelados". Esses preconceitos em relação às favelas e seus moradores são propagados pela desinformação.

Foi-se o tempo em que a favela era reduto de pessoas com baixa renda financeira e sem acesso a bens de consumo. Uma radiografia desses territórios tem mostrado a nova favela brasileira. Ela emergiu do anonimato para o seu devido lugar. No livro Um país chamado favela, escrito por Celso Athayde (fundador da Central Única das Favelas) e Renato Meirelles (presidente do Data Popular), é demonstrada a evolução financeira das favelas, desmistificando esses territórios como os únicos e exclusivos focos de problemas sociais.

A favela não é e nunca foi o berço da violência, da pobreza ou da bandidagem brasileira. A pesquisa feita com 2 mil moradores de 63 favelas brasileiras mostra que a classe média dobrou de tamanho nas comunidades. A média salarial é de R$ 910 e metade das casas tem tevê de plasma ou de LCD, computador e micro-ondas. É um mercado consumidor maior que Paraguai e Bolívia, com população estimada em 12 milhões de pessoas. Se fosse um estado, seria maior que o Paraná.

As favelas evoluíram – não só financeiramente, culturalmente e socialmente, mas em todos os sentidos. Como lembra Preto Zezé, presidente da Cufa Brasil, "o acesso à economia tirou as favelas brasileiras do papel de coadjuvantes da sua própria história; são protagonistas, peças-chave do processo de desenvolvimento. Hoje, não cabe mais este discurso generalizado. Os moradores de favelas não aceitaram mais ser coadjuvantes da própria história e nem ser subprodutos de atravessadores, somos protagonistas da nossa própria história". E Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas: "Na favela não há pessoas carentes, carente é como nos chamam, na favela há pessoas que produzem, trabalham e lutam por seus sonhos". Nos dias atuais, aprecia-se nas comunidades pessoas que não se permitem mais ser "buchas", pautadas por lutas alheias.

Os moradores das favelas saíram do estado da invisibilidade, cansaram de empunhar bandeiras alheias, e agora lutam pelos próprios interesses. As favelas tornaram-se autossustentáveis, seus moradores não mais aceitam ser "ratos de laboratório". Não pactuam com o medo das contradições, dos rótulos; vão à luta, transformam o estigma em carisma, o rancor em amor, não omitem mais suas fraquezas; ao contrário, na fraqueza se fazem fortes pela própria transparência. Projetam sua visão de mundo, se fazem presentes no discurso da vida pública.

Não temos mais como olhar as favelas como o primo pobre da sociedade burguesa, mas sim como parte da sociedade. As favelas querem mais porque sabem que o passado não foi fácil, e, quando olham para o futuro, sabem que é possível fazer muito mais, não só pelas favelas, mas pelo país como um todo.

José Antonio C. Jardim, teólogo e técnico em Dependência Química, é coordenador da Cufa Paraná.

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