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A fraude à cota de gênero e suas consequências
| Foto: Felipe Lima

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral que determinou a cassação de toda uma chapa envolvida na fraude à cota de gênero, isto é, com a presença de candidatas “laranjas”, vem gerando grande celeuma no âmbito político – e sobretudo jurídico. Entretanto, para longe de ser descabida ou teratológica, a decisão da corte superior, tomada no leading case “Recurso Especial Eleitoral 193-92/PI”, é um grande avanço no combate às ilegalidades nos pleitos eleitorais, fazendo valer a letra da lei.

A fraude, embora constatada geralmente a posteriori, a partir de evidências colhidas durante a campanha (como, por exemplo, candidatas que não recebem nem o próprio voto; ou que não fazem campanha para si e, ainda, fazem campanha para outros candidatos; ou, ainda, que não produzem material de campanha), revela vício de origem – impeditivo, portanto, da disputa por todos os envolvidos, de modo que a punição adequada é, realmente, a cassação do registro de todos os candidatos, bem como os diplomas dos suplentes e os mandatos eletivos dos eleitos.

O TSE fez valer seu papel de garantidor da aplicação da lei mediante a prolação de um precedente objetivo

A responsabilização de todos os beneficiários de atos ilícitos ou abusivos é uma constante da seara eleitoral, não se tratando, portanto, de inovação por parte do TSE. Basta recordar, por exemplo, a situação de um prefeito que é pego comprando votos: neste caso, o candidato a vice, mesmo não tendo participado da empreitada criminosa, tem seu diploma cassado em razão da indivisibilidade da chapa.

Aliás, o defeito da coligação, como reconhecido na jurisprudência pátria, importa na nulidade dos votos atribuídos a todos os candidatos (no jargão técnico, quando se constata algum defeito na composição das chapas, diz-se: “vai cair o DRAP todo”), o que não poderia ser diferente no caso das “candidaturas laranjas”, pois muito embora sejam discutidas em momento posterior ao registro de candidatura, como já dito anteriormente, o seu objeto continua sendo o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP). Logo, se não há regularidade dos atos partidários, é de ser desconstituído o DRAP.

Deveras, para não soar como responsabilidade objetiva, o que feriria a Constituição da República, devemos ressaltar que existe um dever, ainda que implícito, por parte dos candidatos da mesma chapa, de se fiscalizarem mutuamente, de forma a garantir que todo o time de concorrentes está cumprindo a legislação eleitoral.

Do contrário, se assim não tivesse decidido o TSE, a lei eleitoral continuaria a ser um mero pedaço de papel, um mero repositório de ideais sem vinculação, o que se consubstancia, ao fim, em verdadeiro convite ao seu descumprimento.

O TSE, como corte de vértice da Justiça Eleitoral, fez valer seu papel de garantidor da aplicação da lei mediante a prolação de um precedente objetivo, socialmente congruente, moralmente válido e com potencial de se replicar em todos os TREs e zonas eleitorais, preservando a ordem jurídica e conferindo racionalidade e previsibilidade aos players eleitorais. Esta decisão, atrelada àquela do STF que garantiu o repasse de no mínimo 30% do recurso dos fundos às candidaturas femininas, pode ser o ponto de inflexão, o turning point no combate à histórica desigualdade de representação entre homens e mulheres nas casas legislativas.

Rodrigo Cyrineu é advogado eleitoralista, mestre em Direito Constitucional e membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

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