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O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, conversando com parlamentares antes de discurso no Congresso, em 22 de julho de 2019.
O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, conversando com parlamentares antes de discurso no Congresso, em 22 de julho de 2019.| Foto: Noel Celis/AFP

Desde que assumiu o poder, há pouco mais de três anos, Rodrigo Duterte não só comanda uma campanha assassina contra os usuários e traficantes de drogas como também promove um ataque explícito às instituições democráticas do país, muitas vezes usando sua chamada "guerra às drogas" como desculpa para perseguir adversários políticos e dissidentes.

Sei disso muito bem, pois sou uma de suas vítimas. Estou escrevendo este artigo de dentro de uma das celas de Camp Crame, sede nacional da polícia em Manila. Estou aqui há dois anos, depois de ser presa sob acusações falsas de tráfico de drogas – mas o único crime que cometi foi usar minha plataforma no Senado para me posicionar contra a brutalidade da campanha contra as drogas de seu governo. E não sou, nem de longe, o único alvo.

A administração de Duterte orquestrou a retirada de um juiz da Suprema Corte, além de ter assediado e marginalizado a própria vice, Leni Robredo (que pertence a outro partido). Membros independentes da imprensa vêm sofrendo bullying e acusações fabricadas de infrações criminais, com um deles inclusive tão pressionado que acabou se vendendo aos aliados do presidente. O líder do país chegou a ameaçar ativistas dos direitos humanos de morte publicamente, ainda que ele e seus assessores tentassem minimizar as declarações como sendo "brincadeirinha".

Mais preocupante talvez seja o esforço da administração atual em acabar com o pouco que resta da oposição política formal, geralmente por meio de casos criminais politizados.

Rodrigo Duterte não só comanda uma campanha assassina contra os usuários e traficantes de drogas como também promove um ataque explícito às instituições democráticas do país

Como o meu caso. Em 2016, pouco depois da eleição de Duterte, abri uma investigação no Senado para averiguar os assassinatos extrajudiciais que estavam sendo cometidos em nome do combate aos crimes do tráfico – e a reação do presidente não foi só rápida como cruel. Uma vez ele afirmou: "Vou ter de destruí-la em público". Já me chamou de "mulher imoral" e, em 2016, seus aliados alegaram possuir um vídeo comprometedor meu, de teor sexual, que ameaçaram exibir no painel congressional. Em fevereiro de 2017, eu me entreguei à polícia depois que um mandado de prisão foi emitido contra mim. Estou encarcerada desde então, sob três acusações relacionadas a drogas – das quais as evidências são tão frágeis que chegam a ser risíveis. A ONU, a União Europeia, diversos grupos de direitos humanos e outros especialistas denunciaram a incriminação por suas motivações políticas.

Outros legisladores de oposição enfrentam tratamento semelhante, principalmente os que se opõem à guerra às drogas de Duterte ou quaisquer outras de suas medidas administrativas principais, como sua intenção de restaurar a pena de morte ou revisar a Constituição, provavelmente para acabar com o limite dos mandatos presidenciais.

Muitos desses casos são difíceis de acreditar. Em outubro de 2018, os congressistas Antonio Tinio e Ariel Casilao organizaram um protesto pacífico em Davao contra a aplicação contínua da lei marcial na ilha meridional de Mindanao, depois de flagrantes operações terroristas realizadas por um grupo armado ligado ao Estado Islâmico, no início de 2017. Ambos foram acusados de abuso de menores, porque aparentemente um grupo de jovens indígenas participou do movimento.

Outro alvo frequente é Risa Hontiveros, crítica ferrenha da campanha antidrogas do governo. Em 2017, a senadora ajudou a abrigar menores de idade que testemunharam o assassinato de um adolescente por policiais. E, embora estivesse agindo a pedido dos pais dos jovens – que compreensivelmente não confiavam na polícia para garantir a segurança dos filhos –, ela foi acusada de sequestro (e também de grampear telefones).

Mais sutilmente, a administração também se utiliza de várias táticas para subverter não só as práticas democráticas como também a legislatura. Os políticos que se opõem ao governo de Duterte estão tendo o orçamento de seus distritos eleitorais reduzidos, e às vezes sendo simplesmente destituídos de participação em comitês importantes. Como se isso não bastasse, o presidente também manipula as regras do procedimento da Câmara dos Deputados para garantir que o bloco minoritário oficial – que deveria ser um importante instrumento de fiscalização do Executivo – seja composto principalmente de nomes pró-governo.

Um novo Congresso se reuniu em 22 de julho e Duterte fez seu quarto discurso do Estado da União no mesmo dia. Desde as eleições intermediárias, no início do ano, o Senado está lotado de "gente do presidente", que agora controla a supermaioria necessária para a instauração de políticas problemáticas, incluindo a inclusão de uma emenda à Constituição para garantir poderes ainda maiores ao Executivo.

Duterte foi eleito com folga em 2016 e seu índice de aprovação se mantém bastante alto. Mas o fato é que as Filipinas o elegeram para que pudesse ajudar o cidadão comum, e não para reprimir uma oposição legítima, também eleita democraticamente, e usar sua violenta campanha antidrogas para consolidar sua primazia no poder.

Leila de Lima é senadora nas Filipinas e membro do Grupo Parlamentar do Sudeste Asiático para os Direitos Humanos.

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