Nos últimos anos, o Brasil entrou numa grave crise econômica e social, com queda do crescimento, elevação do desemprego e o descontrole da inflação. Há, contudo, um ditado que diz que crises apresentam grandes oportunidades para mudanças e crescimento. Nesse cenário, o país implementou um teto de gastos para as despesas públicas, que cresciam explosivamente desde a promulgação da Constituição de 1988, e passou reformas importantes como a trabalhista, a da Previdência, a Lei de Liberdade Econômica, o Novo Marco do Saneamento, a independência do Banco Central, dentre outros avanços importantes. Concomitantemente aos avanços nas instituições econômicas, o país combatia a corrupção, prendendo criminosos de colarinho branco, tanto do setor público quanto privado, algo nunca antes visto. O país ensaiava uma volta por cima.
No entanto, a implosão do combate à corrupção, bem como o desmoronamento do teto de gastos, mostram que o Brasil, enquanto nação, está longe de dar a volta por cima. Por que as Nações Fracassam, de Daron Acemoglu e James Robinson, nos apresentam alguns motivos das falhas. Aobra é um clássico da literatura sobre economia institucional, sendo um dos principais responsáveis pela popularização do debate sobre como e por que se preocupar com reformas institucionais. Na obra, Acemoglu e Robinson analisam diversos países e chegam à conclusão de que as nações que atingiram altos níveis de desenvolvimento econômico e social foram aquelas que conseguiram fazer a transição para instituições inclusivas, ao passo que aquelas que permanecem em menor patamar de desenvolvimento não conseguiram realizar tal transição e permanecem com instituições extrativistas, em que a elite política e econômica obtém privilégios e regalias ao explorar as camadas mais pobres da população.
Além dos três poderes, elites extrativistas do setor privado também defendem a manutenção do status quo. Uma pequena e bem relacionada elite da advocacia criminal, que ganha milhões para defender os comprovadamente corruptos, ao não poder contestar o mérito das condenações de seus clientes, mudou a arena do debate e buscou atacar as instituições e seus membros, promovendo um verdadeiro assassinato de reputação dos agentes públicos envolvidos no combate à corrupção.
Ao analisarmos o caso brasileiro, vemos que nosso país ensaia essa transição desde a segunda metade do século 20. Avanços importantes vêm ocorrendo ao longo do tempo, mas, apesar dos passos adiante, o Brasil parece estar retrocedendo. Dois exemplos disso foram o fim da Lava Jato e o fato de muitos criminosos saírem impunes, bem como a recente implosão do teto de gastos federais. Apesar de um fenômeno ter aparência eminentemente jurídica, e outro, eminentemente econômica, ambos estão umbilicalmente ligados, representando a vitória de pequenas elites extrativistas e, além disso, um estelionato eleitoral, já que a gestão federal vitoriosa no pleito de 2018, que se elegeu prometendo aprofundar o combate à corrupção e manter o teto de gastos, abandonou suas pautas, e talvez não seja tão diferente da eleita em 2014.
Importante salientar que o retrocesso no combate à corrupção começou ainda em 2019 e uniu os três poderes, o governo e a oposição. Em 2019, o presidente da República, via medida provisória, tirou o Coaf, importante instituição de combate à lavagem de dinheiro, do Ministério da Justiça e o transferiu para o Banco Central, sem base técnica. Em 2020, o mesmo presidente perdeu seu ministro da Justiça por interferir na Polícia Federal no Rio de Janeiro, estado que é a sua base política e de sua família.
O Poder Legislativo, hoje comandado por políticos investigados, vem propondo e/ou aprovando propostas que configuram verdadeiras ameaças aos órgãos de investigação e seus membros, como a nova lei que alarga as hipóteses de punição para agentes públicos, especialmente de instituições de combate à corrupção (aprovada) e a “PEC da Vingança”, que criaria um controle político do Poder Legislativo sobre o Ministério Público e que foi derrotada por pouco, obtendo 297 votos, 11 a menos do que o necessário para aprovar a mudança constitucional proposta.
Já o Poder Judiciário foi o que deu os golpes mais significativos no combate à corrupção, mudando sua interpretação sobre a possibilidade de prisão em segunda instância pela terceira vez em uma década (2009, 2016 e 2019) e, depois, ao “legislar”, criando normas processuais inovadoras e as utilizando para anular casos anteriores a sua existência, além de ministros votarem constantemente a favor de réus com quem mantêm relação próxima de amizade ou em casos que os atinjam diretamente.
Além dos três poderes, elites extrativistas do setor privado também defendem a manutenção do status quo. Uma pequena e bem relacionada elite da advocacia criminal, que ganha milhões para defender os comprovadamente corruptos, ao não poder contestar o mérito das condenações de seus clientes, mudou a arena do debate e buscou atacar as instituições e seus membros, promovendo um verdadeiro assassinato de reputação dos agentes públicos envolvidos no combate à corrupção. Isso para, além de descredibilizar seus adversários, manter o Brasil como terra da impunidade para poderosos, algo que os beneficia diretamente em detrimento do resto da população.
Por fim, tivemos a derrubada do teto de gastos, o que deixa claro que a política é a arte de gastar dinheiro alheio em benefício próprio. O incentivo dos agentes políticos é de gastar o máximo possível até as próximas eleições, de modo a angariar apoio e ganhar votos. Essa falha estrutural da democracia é bem conhecida e é uma das razões pelas quais a maior parte das democracias ocidentais encontra-se altamente endividada e pelas quais o debate sobre regras fiscais é algo fundamental e recorrente há algumas décadas.
No Brasil, muitos avanços foram obtidos desde a redemocratização, sendo a Lei de Responsabilidade Fiscal um dos mais relevantes, impondo diversos limites e parâmetros para as despesas públicas. Porém, mesmo com essa norma em vigor, o governo atingiu um estado fiscal crítico a partir de 2015 e, em 2016, o teto de gastos foi aprovado para tentar recuperar o compromisso do Estado brasileiro com a responsabilidade fiscal.
No entanto, o governo federal e o Congresso Nacional abandonaram o compromisso com o teto para aprovar aumentos salariais corporativistas, fundos eleitorais gordos para si próprios e emendas para lideranças políticas. Nota-se que, em declarações completamente populistas e demagógicas, diz-se que o motivo da implosão do teto é o pagamento de benefícios sociais aos mais pobres.
Como diz Gustavo Franco, “se você fica uma semana fora do Brasil, muda tudo. Se fica sete anos, não muda nada”. A elite do setor público e privado se uniu para voltar a gastar como quiser, endividar o país e destruir o poder de compra da moeda, além de cometer crimes sem correr risco de punição. O governo federal, eleito em 2018, promoveu um estelionato eleitoral ao prometer aos seus eleitores a continuidade do combate à corrupção e a manutenção do teto de gastos, e hoje atuar ativamente contra ambos. Por outro lado, o principal partido de oposição consegue ser tão ruim ou pior, ao prometer revanchismo e perseguição contra as instituições de investigação, bem como derrubar de vez o teto de gastos. Além disso, elites privadas apoiam a erosão das instituições para continuar extraindo recursos, seja a elite da advocacia criminal que apoia a impunidade estrutural para criminosos de colarinho branco, ou corporativistas do setor público e privado que defendem o aumento de subsídios e privilégios para o seu setor.
O momento é de se indignar e se revoltar contra as elites extrativistas e defender reformas institucionais rumo à construção de um país inclusivo com uma democracia saudável e uma economia de mercado sem privilégios, ou continuaremos a ser explorados por elas.
Maurício F. Bento é mestre em Economia com passagens pelo Cato Institute e pelo Charles Koch Institute, atua no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e na Property Rights Alliance, e é associado ao IFL-SP.
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