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No dia 2 de dezembro, o editorial da Gazeta do Povo "A escola e a ideologização do ensino" apresentou crítica a uma suposta crescente tendência do ensino brasileiro de doutrinar os seus alunos com pensamentos de esquerda. Com um texto vazio de exemplos, construiu-se um duro discurso contra a imaginária utilização das escolas para a ideologização favorável a partidos e movimentos de esquerda.

Tendo estudado em escola pública, vivi as suas limitações para ensinar as disciplinas e para "preparar" alunos, seja para a sociedade, para o mercado, para a prática política. Essas limitações surgem por problemas dos contextos sociais, familiares e psicológicos dos alunos e dos professores, falta de incentivo a ambos e por problemas com estruturas prediais e materiais. Falta em muitas escolas o que é mais elementar, como um quadro negro, e também não é raro que faltem aos alunos um caderno e um lápis. Outro editorial da Gazeta do Povo, de 30 de junho, tratou da grave situação de alunos que terminaram o primeiro semestre deste ano sem os livros didáticos que deveriam estar disponíveis no começo do ano letivo.

É incompreensível que se fale de maneira alarmista em ideologização na direção e no nível expostos durante um governo que expandiu o Ciência sem Fronteiras, programa orientado para e pela tecnocracia, que exclui os cursos das áreas de Ciências Humanas e de Ciências Sociais, e já tendo Dilma Rousseff afirmado, no ano passado, que "advogado é custo, engenheiro é produtividade" e, mais recentemente, em setembro, que o aluno do ensino médio não pode "ficar com 12 matérias, incluindo nas 12 matérias Filosofia e Sociologia", dando claros sinais de que, como aqueles que criticam a suposta doutrinação, acredita no ensino, na educação e na universidade a serviço do mercado. Que, para embasar a crítica, se aponte uma ou outra questão de vestibular ou ilustração de livro didático que adote viés político alinhado ao pensamento de esquerda, ignorando que todo o modelo de seleção para o ensino superior e grande parte da formação durante o ensino superior são orientados pela tecnocracia e pela ideologia do trabalho, é atestar que a caça às bruxas não terminará tão cedo, ainda que elas se esvaiam ou nem mesmo existam.

Qual espectro nos ronda, afinal? Embora grandes veículos de comunicação se digam preocupados com a ideologização na educação, houve neles pouco ou nenhum espaço para debater as questões de História do vestibular da Vunesp/Unesp, as quais estavam ligadas a visões preconceituosas de gênero e de povos, e não à produção científica e historiográfica que poderia lhes servir de base.

Assim como já ocorreu diversas vezes com o debate sobre o ensino religioso, quando a questão é ideologização nas escolas poucos grupos fazem uma defesa da imparcialidade ou da pluralidade do ensino. Disso resulta pouquíssima atenção ao fato de o dono da casa em que foi identificada a imagem de uma suástica no fundo de uma piscina, dias atrás, no Vale do Itajaí (SC), ser professor de História – admirador de Hitler, dando a seu filho o nome de Adolf, revisionista do Holocausto e apologista do nazismo, segundo alguns relatos de ex-alunos seus em redes sociais –, ou ainda à propaganda da prefeitura do Rio de Janeiro que reduziu a educação e as escolas a linhas de produção, estando a educação a serviço da produção e não da construção de uma sociedade melhor. Dessa maneira, todo esse discurso antidoutrinação não se dá por defesa de uma visão imparcial ou plural, mas sim diante de uma imaginária possibilidade de domínio da esquerda nas escolas. Não é contra toda ideologização, mas sim contra determinada ideologização – a se ver pelo histórico e pela orientação ideológica de quem comanda ou apoia o movimento Escola sem Partido, por exemplo. Não há seriedade naquele que se mascara de neutro, imparcial e plural, mas cujo alvo é muito bem determinado e específico.

Materiais e professores com posicionamento à esquerda ganham destaque não por terem dominado o ensino brasileiro, mas pelo fato de existirem e se expressarem, não estando mais confinados aos porões da ditadura e nem condenados ao silêncio. A formação da escola pública brasileira é a mais apolítica possível – e não por negar a esquerda ou a direita, ou por ser neutra, ou por ter a percepção de que não deve doutrinar, mas apenas por ser incapaz (estrutural, histórica e politicamente) de passar qualquer ideologia. Se há uma ideologia que o nosso ensino público está em condições de passar, esta está entre o apoliticismo e a completa apatia política, o que significa a impossibilidade e a incapacidade da utilização deste espaço para discussão, para crítica e para ideologização. E, dessa maneira, ao não doutrinar para um pensamento diferente do status quo e também não provocar a reflexão, a escola acaba por contribuir para a manutenção da ordem vigente.

Raul Lucas Tanigut Brisola Maciel é graduado em Ciências Econômicas pela UFPR.

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