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Veículo com o general Qassim Suleimani foi atingido por um drone controlado de uma base militar em Nevada, nos EUA.
Veículo com o general Qassim Suleimani foi atingido por um drone controlado de uma base militar em Nevada, nos EUA.| Foto: AFP

Na madrugada do último dia 3, Qasem Suleimani, comandante da Força Quds, foi um dos mortos em um ataque de um drone americano MQ-9 Reaper. Suleimani é apontado como responsável direto pela expansão da influência iraniana na região. Foram exemplos o apoio ao Hezbollah no Líbano, aos houthis no Iêmen, e às milícias xiitas no Iraque, além do auxílio direto às forças de Bashar al-Assad na guerra civil síria. Suleimani já havia sido alvo de sanções tanto pelo Conselho de Segurança da ONU como pela União Europeia, e desde 2007 era designado pelos Estados Unidos como apoiador e financiador de atividades terroristas. A repercussão política tem dominado o noticiário nos últimos dias. Aqui, no entanto, se fará uma breve análise jurídica.

Uma declaração publicada na página do Departamento de Defesa e uma entrevista do secretário de Estado Mike Pompeo apontam que a fundamentação da ação se pautou na alegação de que Suleimani estava desenvolvendo planos para conduzir ataques futuros contra alvos americanos no Oriente Médio. Pompeo afirmou, ainda, que um ataque iminente estava em vias de ocorrer. Entretanto, pela linguagem empregada tanto na declaração quanto pelo secretário, a ameaça a ser contida parece ser mais difusa e de médio ou longo prazo, tanto que é mencionada a necessidade de dissuadir futuros ataques iranianos. Essa hipótese de uso da força pode ser chamada de legítima defesa preventiva.

O alvo escolhido, por sua vez, também não foi uma base militar ou mesmo um grupamento militar, mas sim uma pessoa específica. Trata-se do que, no direito internacional, costumou-se chamar de targeted killing. Os Estados Unidos o têm praticado de modo mais destacado desde o início da chamada “Guerra ao Terror”, tanto sob Bush como sob Obama. A natureza peculiar da morte de Soleimani é que, em regra, o targeted killing é empregado contra atores não estatais, como alegados membros de organizações terroristas, e não contra membros das forças armadas de outros Estados.

A tese americana é, portanto, baseada em dois pontos: 1. Havia uma ameaça que justificaria o emprego da legítima defesa e; 2. Soleimani era um alvo legítimo.

O segundo é menos controverso que o primeiro. O artigo 4 da III Convenção de Genebra dispõe aqueles que receberão o tratamento de prisioneiros de guerra. Há exceções, mas em regra, quem ali está é um combatente. O parágrafo 1 do artigo traz os “membros das forças armadas de uma Parte no conflito, assim como os membros das milícias e dos corpos de voluntários que façam parte destas forças armadas”. Não há dificuldade em adequar Suleimani ao dispositivo.

O cerne, no entanto, é mesmo quanto à licitude do ataque armado em si. Alegar um targeted killing em um conflito armado interestatal deflagrado não faz muito sentido em função de, por regra, todo combatente – desde que não seja um prisioneiro de guerra ou esteja hors de combat (“fora de combate”) – ser um alvo legítimo, não necessitando uma justificativa especial para ser alvejado. Mas esse não é o caso entre Irã e Estados Unidos.

Desde a Carta das Nações Unidas, o uso da força é permitido somente nos casos de autorização pelo Conselho de Segurança ou na hipótese de legítima defesa individual ou coletiva, conforme trazido no Capítulo VII deste documento.

Por ocasião da Guerra do Iraque, os Estados Unidos haviam defendido a licitude das operações militares no país em legítima defesa, em função da alegada posse, pelo mesmo, de armas de destruição em massa. No relatório In Larger Freedom, produzido pelo então secretário-geral Kofi Annan em 2005, o uso da força contra ameaças mais difusas foi limitado somente à ação pelo Conselho de Segurança.

No mesmo ano, a Corte Internacional de Justiça rejeitou a tese apresentada por Uganda em contencioso contra a República Democrática do Congo, de que poderia agir em legítima defesa preventivamente para proteger seus “legítimos interesses de segurança”.

O emprego unilateral da força, desde então, vem sendo condenado pela maior parte dos membros das Nações Unidas, como consta, por exemplo, da Declaração de Havana de 2006, do Movimento dos Países Não Alinhados, e mais recentemente, da Declaração de Joanesburgo, após a X Cúpula dos Brics, em 2018.

Apesar de a ação americana ter seus contornos de inovação, perante a prática internacional vigente, não parece haver guarida ao ataque sob o direito internacional.

*Samuel Felipe Nascimento Horn é mestrando em Direito Internacional do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD-Uerj) e especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados.

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