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Até um ano atrás nunca tinha ido ao cemitério. Não tinha ninguém para visitar e não me sentia muito confortável com a situação. Até que minha mãe faleceu e passei a frequentar com alguma regularidade esse campo da esperança. Na minha última visita, encontrei uma lápide de um bebê de quatro meses que me fez reconhecer o óbvio: para morrer, basta estar vivo. Mas isso não nos deve afligir. Pelo contrário, é vendo a morte que entendemos o respeito que temos de ter à vida, que deve ser valorizada e protegida.

Mas, se por um lado não podemos, mesmo que queiramos, esticar a duração da nossa vida para sempre, tampouco podemos abreviá-la. E, por instinto, ou por caridade, aqueles que são mais frágeis, são ou deveriam ser mais assistidos.

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Não foi o que vimos que aconteceu com o bebê de 10 meses, Charlie Gard. Tendo nascido na Inglaterra com uma doença rara e grave, poderá ter seus aparelhos desligados contra a vontade da família, em favor dos “direitos humanos”. A pergunta, diante de tamanho assombro, é: como chegamos a esse ponto, ou como uma mãe pode escolher matar o próprio filho (na Inglaterra o aborto é liberado), mas não mantê-lo vivo?

Já não é de hoje que vemos essa batalha dos “direitos humanos” contra a vida e contra a família. Ora com o argumento de proteção das mulheres, ora simplesmente pelo direito dessas decidirem unilateralmente sobre seus corpos, buscam o aborto e a submissão dos valores familiares aos interesses governamentais.

Só nos Estados Unidos, foi tirada a vida de mais de 50 milhões de bebês em nome dos “direitos humanos” por meio do aborto legal. Estatisticamente, 50% seriam mulheres. Ou seja, matam-se mulheres para “proteger” mulheres. No Brasil, mesmo com a maioria da população contrária ao aborto, tentam por meio do ativismo judicial liberar o assassinato de bebês, como é o caso da ADI 5581 e da ADPF 442.

Foi exatamente isso que aconteceu na Inglaterra: o Estado passa a decidir pelos pais quando a vida começa e quando ela termina. Quem merece viver e quem merece morrer. E zero proteção para as famílias, que é quem voluntariamente assume todo custo social da criação e educação dos filhos.

Contavam-me recentemente sobre o último suspiro de uma mãe, que há 14 anos lutava contra o câncer, tendo evoluído agressivamente para uma metástase cerebral no último ano. Mesmo sem perspectiva de cura há mais de 6 anos, não lhe negaram o direito de lutar e de viver. Sem conseguir enxergar, se comunicar, e respirando com muita dificuldade, não lhe foi negada o conforto de analgésicos, uma sonda para se alimentar, as músicas que tanto lhe agradavam, a visita dos que a amavam e particularmente a presença de um familiar segurando sua mão. Houve sofrimento? Sim, houve.

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“Estamos evitando um sofrimento inútil” – dirão alguns sobre a morte do pequeno Charlie. Talvez este seja o problema: perdemos o sentido do sofrimento. A nossa ética contemporânea já não nos permite tratar do sofrimento com as noções de virtude e de fim último, sobrando apenas a visão estoica do sofrimento. E não é só isso. Perdemos o valor da vida, o papel da família e um pouco mais da nossa liberdade.

Francisco Augusto Garcia é especialista em políticas públicas para primeira infância.
Juliana Carvalho Ramos é enfermeira especialista em estomaterapia.
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