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protestos andrew jackson
Manifestantes tentam derrubar a estátua de Andrew Jackson na Praça Lafayette, perto da Casa Branca, em 22 de junho de 2020 em Washington, DC| Foto: Drew Angerer/Getty Images/AFP

Políticos são desprezados no mundo inteiro, numa sina que parece universal. Em países onde existe liberdade de expressão, as pessoas criticam seus governantes, sem nenhuma piedade.

Durante anos, venho indagando pessoas de diferentes nacionalidades sobre a percepção que têm dos políticos. Argentinos, ingleses, nigerianos, russos, etc. Invariavelmente torcem o nariz, depreciando e atacando a espécie. Na visão geral, os governantes são péssimos exemplos ao não cumprirem promessas. Neste quesito, os chineses são diferentes. Quando provocados a opinar, apenas riem, sem tomar partido algum, dando a impressão de que para eles política é algo estranho e desconhecido. Assim, no âmbito desta enquete, a China é um caso à parte.

Acredito sinceramente naqueles que reclamam, não há razão para poupar os poderosos. Dito isto, vou defender a categoria.

Sem políticos não há civilização, sem o contraditório a liberdade sucumbe. Melhor vê-los trocando farpas numa democracia consolidada que marchando unidos na harmonia artificiosa das ditaduras.

Dois fatos impeliram a mim, um corpo estranho à classe, arisco ao confronto, a sair em defesa de gente tão odiada: interferência de burocratas nas decisões políticas no Brasil, e o ataque a estátuas de políticos mundo afora, por uma minoria enraivecida.

Não que os figurões do passado tenham que permanecer venerados eternamente. A humanidade evolui, convicções e valores mudam, nada mais natural que certos vultos deixem de servir de poleiro aos pombos. Destruir não é melhor solução, sobretudo quando a comunidade não é chamada para a tarefa, nem seus representantes legalmente constituídos convidados para debate. Sugere-se recolher obras indesejadas em lugar mais adequado, museus por exemplo, onde a tradicional placa enaltecendo as virtudes do personagem ganhe adendo com os defeitos do sujeito.

Se os políticos que pedem voto abertamente para todos, por vezes representam grupos específicos do eleitorado, o que esperar de indivíduos defendendo nada além da própria ira?

No Brasil, a morte da política se verifica numa frente ampla e perigosa, porém consentida. Os derrotados permitem – e pior, incentivam a interferência externa na sua seara. Entre as ingerências, o ativismo judicial dos magistrados aferindo pesos distintos em situações semelhantes, menosprezando a letra da lei, e a autofagia dos políticos, fomentando a judicialização da política.

Há um projeto de lei no Congresso Nacional, PL4754/2016 tipificando como crime a usurpação dos ministros do Supremo Tribunal Federal em assuntos do Legislativo e do Executivo. O referido projeto é específico e pontual, não contempla a primeira instância, ministério público, tribunais de contas que também tentam nortear gestão do Executivo nas três esferas, movidos por vontades arbitrárias.

Este texto não defende desvio de conduta do mau político, entretanto reconhece que na militância política não há espaço para ética nem justiça, apenas combate fratricida e nada mais. Pode ser feio, mas não convém se iludir com utopias purificadoras da natureza humana. Então, que o jogo bruto seja disputado na arena apropriada, todos de cara limpa. Quem quiser entrar, tire a couraça. E que os perdedores aprendam com os leões vencidos, lambam suas feridas até recuperar a força, para no tempo certo, reverter o cenário pela vontade das urnas.

Tanto para decidir o futuro dos vultos do passado, materializados em bronze, quanto para contrabalancear decisões questionáveis de personalidades de carne e osso ocupando palácios e ministérios, parece preferível que os políticos chamem para si a responsabilidade. Funções administrativas e legislativas são atribuições dos eleitos, não convém terceirizar, confiando em solução imposta por bacharéis entrincheirados em gabinetes onde o povo não entra, muito menos em ruidosos justiceiros soltos pelas ruas.

Florentino Fagundes é professor de Matemática da PUCPR e Escritor.

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