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Éric Zemmour, no início de seu excelente livro Suicide français:les 40 années qui ont défait la France, conta a comovedora história da morte do general De Gaulle, pai da Quinta República francesa. De Gaulle, principal general francês na Segunda Guerra e homem de muito talento político, morria pouco tempo depois das algazarras de maio de 68, evento que fez seu 50.º aniversário no presente ano e que consolidou a mentalidade multiculturalista, ou diversitária. Mas esses dois eventos trouxeram consigo a morte de outro pai, muito mais próximo de nós: o pai de família.

Nos anos que se seguiram, aponta Zemmour, a contestação da autoridade paterna foi uma constante em todo o mainstream; sociólogos, psicólogos, publicitários uniram-se às esposas e aos filhos para subjugar o homem. Como que do dia para a noite, descobriu-se que todas as famílias da humanidade, desde o início dos tempos, eram infelizes; os desaventurados que ousavam objetar eram ainda mais pobres e coitados: além de infelizes, eram iludidos. A velha sociedade ocidental, em que os homens deviam proteger a família, trabalhar duro e entregar o dinheiro para a mulher pagar as contas e cuidar dos filhos e da casa, em troca de uns afagos e do poder de dizer “não” quando convinha, acabou. Isso era incompatível com uma sociedade livre e aberta em que tudo deve ser mais ou menos partilhado, inclusive as dívidas.

Toda sorte de desestruturação familiar decorrente da mentalidade sessentaeoitista fez com que cada vez menos os casais desejassem ter filhos

Agora, com a opinião pública e com a lei ao seu lado, mães e filhos libertaram-se daquele que coloca os limites, sobretudo as pulsões por compras. As famílias se desestruturaram e deixamos de pendurar a conta na padaria “por ser filho de Fulano de Tal”, mas ganhamos um cartão de crédito e o estatuto de consumidores. Também a felicidade integral e completa do relacionamento deveria ser preferida a tudo, mesmo à estabilidade matrimonial.

Mas há uma diferença biológica importante entre os sexos: o homem é naturalmente mais forte que a mulher. Portanto, um homem sente-se muito mais seguro andando pela rua: afinal, pensa ele, se alguém vier me matar, ou sou eu, ou é ele. Mulheres não têm essa mesma chance. E por isso os crimes de estupro são considerados tão covardes e abomináveis. Acontece que essa mesma “confiança” masculina limita o próprio uso da força por parte dos homens; afinal, aquele que vence hoje pode perder amanhã, então é melhor moderar o gênio e conviver amigavelmente. O poder “masculino” de contenção é, portanto, um poder de duas vias: uma interna e outra externa. Ora, sem contenção, uma sociedade que faz de tudo para solapar a autoridade do pai está, portanto, destruindo sua própria ordem. A mulher, por sua vez, tende a compensar sua falta de força com a sua capacidade quase espontânea de agradar. Creio que o leitor já presenciou a cena em que uma criança recebe algo da mãe que antes, porém, tenha sido negado pelo pai. Poderíamos dizer, então, que o Estado moderno, o welfare State, não é bem um Estado paternal, mas maternal.

Bruno Garschagen: A estranha morte da Europa (publicado em 9 de julho de 2018)

Flávio Gordon: A dor de viver como os pais: o fantasma de Maio de 1968 (publicado em 2 de maio de 2018)

Toda sorte de desestruturação familiar decorrente da mentalidade sessentaeoitista fez com que cada vez menos os casais desejassem ter filhos. Quando muito, vemos famílias com uma ou duas crianças, se não um ou dois cachorros. E é muito comum ver pessoas de altos cargos na sociedade, mesmo eletivos, sem filhos. Ou seja, a preocupação de que país estará aí, no futuro, para seus filhos não existe para essas pessoas; se tanto, é apenas uma ideia vaga. A elite também tem o privilégio de, se tudo der errado, simplesmente dar no pé. Seja com seu filho único, seja com seu pet. Não é preciso pensar muito para chegar à conclusão de que o topo da sociedade é, em sua esmagadora maioria, cosmopolita e, portanto, um país não é para eles senão um lugar onde eles podem fazer os seus negócios. Tradições, costumes, cultura (tanto a alta como a popular) são, para aqueles que sabem que não têm outro solo no qual viver senão aquele que lhe legou, veja só, seu pai. Para os cosmopolitas, isso seria um sinal de fraqueza; herança, só a financeira.

Aqueles que teriam o poder e a capacidade de fazer crescer a pátria foram os mesmos que a mataram, mas, para isso, precisaram primeiro matar o pai. Não é sem motivo que são palavras de etimologia tão próxima. Nietzsche dizia que a pátria não é o lugar onde nasceu seu pai, mas o lugar onde você se torna um. Quem é pai sabe a responsabilidade que isso traz e como isso faz que você queira deixar um legado, se não material, ao menos espiritual, moral e cultural para os seus filhos. E é por esse motivo que José Bonifácio, George Washington e até mesmo Charles de Gaulle são conhecidos como “pais fundadores”. Num mundo em que os países só têm direito de existir durante um campeonato de futebol a cada quatro anos, em que as leis são produzidas por comissões internacionais formadas por pessoas que não foram eleitas, e em que o máximo que se espera de um cidadão é que ele seja um bom consumidor, faz-se necessário, mais do que nunca, que se lute pela volta da autoridade paterna. Como a autoridade é algo que se conquista, cada pai tem de ter presente a responsabilidade que tem em mãos. Afinal, a única coisa que pode fazer frente ao supra-Estado “maternal”, que finge querer realizar todos os nossos desejos, são os limites, os princípios e a ordem que só podem ser dados por um pai.

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