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Não foi o presidente Lula o criador das metáforas futebolísticas, o antropólogo Roberto da Matta o antecedeu em pelo menos duas décadas. O chefe da Nação, no máximo, serviu-se do pouco que entende de futebol para explicar o muito que entende de política. Ou malandragem política, o que dá no mesmo.

O futebol já foi usado como paradigma para o estudo das guerras, como modelo para administração de crises e simulação para a organização de equipes. O futebol serve para qualquer coisa, inclusive para empolgar as massas, distraí-las das emergências e injetar ânimo em economias desanimadas.

O medíocre desempenho da seleção brasileira no jogo contra a Croácia foi uma dádiva dos céus: moderou o delírio da mídia, segurou o ufanismo tosco (para usar uma expressão de Juca Kfouri) e, diante de uma realidade que recusa as quimeras dos marqueteiros, obrigou os 180 milhões de técnicos de futebol a pensar na vida.

Na sua meditação desta sexta-feira, o escritor Luís Fernando Verissimo oferece uma constatação que transcende a quase tudo o que se escreveu nesta primeira semana da Copa: "... Com o futebol mundializado, não há mais times de metrópoles e times de periferia. Não existem mais "africanos" em nenhum continente."

Referia-se ao vibrante futebol exibido pelo Equador no dia anterior, mas também à multiplicação dos canarinhos: além dos equatorianos há amarelos na Escandinávia (os suecos), no Leste Europeu (Ucrânia) e na Oceania (nossos próximos rivais, os australianos). Amarelo é substantivo, cor que simboliza a gema do ovo, sinônimo de vida, ouro é o padrão mundial de riqueza.

Amarelar, porém, virou verbo depreciativo aplicado profusamente contra Ronaldo depois da final de 1998 e que reaparece diante da sucessão de suas desgraças que a legião de jornalistas e celebridades instalada na Alemanha converte em escândalo e nos fazem lembrar que amarelar em espanhol é verbo do jargão das redações, originário da antiga expressão americana, yellow press (imprensa amarela) que nós convertemos em imprensa marrom, sensacionalista.

Num dos seus solenes editoriais, o prestigioso semanário Economist disse na semana passada (10/6) que o Brasil é a única superpotência em matéria de futebol. O que nada tem a ver com a ordem ou desordem mundial. Estava certo naquele preciso momento, mas o atento redator esqueceu que enquanto as classificações geopolíticas valem por séculos, no futebol – regido por um calendário quadrienal – os rankings costumam ser menos longevos. Nossa glória estende-se ao longo de quase cinco décadas (48 anos precisamente) e assim embalados, esquecemos que a caprichosa história aposta em surpresas e detesta repetições.

Há Ronaldos e Ronaldinhos nos quatro cantos do mundo, Parreiras (brasileiros ou não) existem no G-8, G-20, G-49 e G-93. As goleadas da Espanha e da Argentina mostram que não temos as patentes de genialidade no universo ibero-americano.

A máquina de fazer craques funciona a todo vapor nos incessantes torneios futebolísticos que juntam continentes, atravessam oceanos, ultrapassam as barreiras da cultura e religião. No futebol não há choques de civilizações. Por isso é imponderável.

É tão difícil inventar novas combinações táticas no gramado como reinventar o repertório temático da dramaturgia grega. O que vale em guerras, política, disputas empresariais, no futebol e na ciência de viver é um conjunto de substâncias – ou circunstâncias – nas quais a bola – ou as chuteiras – têm importância relativa.

O antigo carrossel holandês ou o recém-batizado quadrado mágico brasileiro são produtos retóricos. O primeiro não foi traduzido em canecos e o segundo, por enquanto, não ultrapassou a fase laboratorial.

A mundialização do futebol socializou valores e vetores e, ao contrário do esquema elitista da Fifa, acabou com as exclusividades e particularismos. Em futebol tudo pode ser clonado. O individualismo neoliberal e a solidariedade grupal não têm marca registrada, o segredo está na capacidade de combiná-los e dosá-los. Estofo é um genérico sobre o qual não pesa qualquer restrição.

Modéstia e seus subprodutos não têm franquias. Mas não se compram na esquina.

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