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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Movimentos populares pouco conhecidos como a Revolta da Cachaça, os Motins do Maneta e a Sedição de Vila Rica demonstram com razoável precisão como o povo brasileiro reagiu às práticas fiscais invasivas da Fazenda Real nos séculos 17 e 18. Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, no imprescindível Brasil: uma Biografia, apontam que as muitas revoltas populares do Brasil Colônia não tinham qualquer conexão com o pleito pela independência do país junto à metrópole portuguesa, ligando-se, isso sim, à opressiva política fiscal imposta a partir da sobrecarga tributária e dos métodos autoritários de arrecadação. Como se vê, no Brasil, a relação “fisco x contribuinte” sempre teve como pano de fundo a adoção de privilégios para o crédito tributário, além da estruturação de um sistema nitidamente regressivo e complexo (com inúmeros regimes especiais e tributos cumulativos).

No dia 9 de janeiro de 2018, um novo mecanismo de cobrança do crédito tributário trouxe perplexidade aos contribuintes, especialmente em razão de sua questionável constitucionalidade e da surpresa na súbita inovação legislativa em matéria já regida pelo Código Tributário Nacional. De acordo com o artigo 25 da Lei 13.606/2018, após a constituição e inscrição em dívida ativa do crédito tributário pela União, se inexistente o pagamento voluntário pelo contribuinte, será possível à Fazenda Pública averbar certidão de dívida ativa diretamente nos órgãos de registro de bens, tornando-os indisponíveis. Em outras palavras: conferiu-se à União o privilégio – inexistente para outros credores – de bloquear bens móveis e imóveis de devedores a partir de mera comunicação enviada pela Procuradoria da Fazenda aos cartórios e órgãos de registro, sem qualquer tipo de autorização judicial.

Esta nova ilegalidade torna o contribuinte (e a própria sociedade) ainda mais vulnerável frente ao fisco

O bloqueio não acarreta necessariamente a expropriação do bem à União, mas causa indiscutível prejuízo ao contribuinte, que não poderá dispor livremente de seu patrimônio.

A autorização legislativa para o bloqueio automático de bens pela Fazenda Pública Federal é questionável pelos seguintes aspectos: sob o viés constitucional, há expressa disposição no sentido de que ninguém pode ser privado de seus bens sem o devido processo legal, sendo insuficiente a instauração de processo administrativo tributário; o Código Tributário Nacional regula adequadamente a questão da indisponibilidade de bens e direitos pelo devedor, assegurando que tal medida apenas pode ser adotada pelo juiz competente no âmbito de uma execução fiscal; e, finalmente, a Lei 8.397/1992, ao instituir a medida cautelar fiscal, estabeleceu regras claras para a decretação de indisponibilidade dos bens do devedor, exigindo a comprovação de risco à satisfação do crédito tributário e o respaldo do Poder Judiciário.

Outro lado:O objetivo é nobre, mas faltou discussão (artigo de Monroe Olsen, professor da Universidade Positivo)

Assim, do ponto de vista jurídico, mostra-se censurável a possibilidade de decretação de indisponibilidade de bens pela Fazenda Nacional sem autorização judicial.

Espera-se que o espírito questionador de outros tempos – típico dos movimentos populares que se levantaram contra a opressiva política tributária do período colonial – se insurja em face desta nova ilegalidade, que torna o contribuinte (e a própria sociedade) ainda mais vulnerável frente ao fisco, que insiste em resgatar suas vestes imperiais.

Gustavo Sperandio Roxo é advogado e mestre em Direito Tributário pela USP.
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