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Imagem ilustrativa.| Foto: Skitterphoto/Pixabay

Os cristãos [...] se tornam imensamente culpados quando se deixam cativar pela idolatria de considerar a lei científica e aritmética impessoal. Dentro desse cativeiro, tomamos por certo os benefícios e as belezas da ciência e matemática, pelos quais deveríamos na verdade ser cheios de gratidão e louvor a Deus.” (Vern Poythress, Redimindo a matemática: uma abordagem teocêntrica)

Certa vez, um professor e orientador universitário recebeu a monografia de seu orientando, que, na sua opinião como docente experiente, tinha um grande talento a mostrar. Quando o professor terminou de ler o trabalho, declarou, assustado: “Isso está muito pobre!”, mas deu nota máxima ao orientando. Por quê? O professor disse aquilo não pela incapacidade do aluno, mas por saber que, dada a inteligência e o talento do jovem, poderia ter oferecido muito mais naquela ocasião tão especial de conclusão de curso.

Acredito que a pedagogia moderna aplicada à matemática se encaixa perfeitamente nessa história, especificamente na figura do aluno. A matemática, embora seja útil em muitos aspectos, é pobre em suas capacidades. Hoje, a matemática é compreendida pelos alunos como uma disciplina para aprender a “contar o troco do sorvete” e, quando muito, a não entrar na faculdade de Engenharia passando vergonha. O que aconteceu para que essa disciplina tão nobre se tornasse tão pobre? Minha resposta: o dogma da impessoalidade aritmética.

Entramos aqui em uma tema relacionado à filosofia da matemática e, para uma discussão de alto nível, precisamos recorrer aos grandes pensadores que contribuíram significativamente com o assunto. O que é o dogma da impessoalidade aritmética? Para compreendermos, precisamos partir da definição de aritmética. Grosso modo, trata-se da parte da matemática que lida com as operações numéricas: soma, subtração, divisão e multiplicação. Todas essas categorias revelam a racionalidade da matemática. Ou seja, se somos capazes de compreender a realidade dos números e suas operações racionalmente, é porque os números também possuem níveis de racionalidade.

Vern S. Poythress é bacharel em Matemática pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia e Ph.D. em Matemática pela Universidade de Harvard, onde lecionou também por um ano. Em sua obra Redimindo a Matemática, de 2015, Poythress argumenta a respeito do consenso científico sobre a racionalidade dos números: “Os cientistas e os matemáticos na prática acreditam apaixonadamente na racionalidade das leis científicas e leis aritméticas. Não estamos lidando com algo totalmente irracional, inexplicável e não analisável, mas sim com uma legalidade que em certo sentido é acessível à compreensão humana. A racionalidade é uma condição sine qua non para a lei científica.”

Poythress parece sugerir que o grande problema da discussão não está no fato de filósofos e matemáticos reconhecerem racionalidade nas leis aritméticas, mas em outro lugar, como antes indicado, isto é, na impessoalidade dessa lei matemática. A racionalidade, argumenta Poythress na mesma obra, “pertence às pessoas, não às rochas, árvores e criaturas subpessoais. Se a lei é racional, como supõem os matemáticos, então também é pessoal”. Isso equivale a dizer que a lei matemática revela traços de uma pessoa, o que está de acordo com a visão teísta do mundo.

O recém-falecido físico, teólogo e sacerdote anglicano inglês John Charlton Polkinghorne compreendia que a única maneira de admitir coerentemente os aspectos pessoais das leis matemáticas seria assumir também um sistema teísta, em que o universo parece cravejado de sinais de inteligência e a fé recebe, afirmada e satisfatoriamente, o que a revelação natural – como define Herman Bavinck em As Maravilhas de Deus –tem a nos dizer: “Isso realmente é assim, diz o teísta, pois é a Mente de Deus que está por trás de sua beleza racional. Não apresento isso como um argumento arrasador em defesa do teísmo – não existem argumentos arrasadores, nem a favor, nem contra –, mas como uma percepção satisfatória que encontra lugar compatível na visão teísta do mundo”, escreve Polkinghorne em Cross-traffic between Science and Theology.

A matemática expressa, dentro de uma visão teísta de mundo, não somente meros cálculos utilitários para a vida cotidiana. Daí ser muito pobre a pedagogia da matemática atual. Ela revela o caráter do próprio Criador. Vejamos alguns exemplos. Na matemática, diz Poythress, “há profundezas insondáveis e perguntas sem resposta” que identificamos como a expressão no mundo criado da natureza incompreensível de Deus em muitos aspectos.

Além disso, a matemática revela valores, como bondade ao nos dar um preceito intelectual, beleza ao nos proporcionar simetria e harmonia entre os números e a vida humana, e também retidão ou justiça, ao estabelecer consequências para a transgressão das leis aritméticas: “As pessoas podem, por exemplo, tentar desobedecer às leis aritméticas ao saldar as despesas no talão de cheques. Se o fazem, podem sofrer por isso. Há um tipo de justiça embutida na forma como as leis aritméticas levam às consequências”, continua Poythress.

Quando, em 56 d.C., o apóstolo Paulo escreveu à igreja cristã em Roma, quis explicitar esse princípio: que o mundo criado, em todos os seus aspectos (numérico, moral, biológico etc.), revela o caráter do Criador, e por isso se torna um ponto de contato entre o crente e o seu Senhor. Os atributos de Deus que são invisíveis, “assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Rm 1,20).

A matemática utilitária, baseada em uma visão impessoal das leis aritméticas, não pode nos proporcionar a experiência do conhecimento de Deus na natureza. Ela só pode dizer o que é, não por que é. Contudo, como “Stephen Hawking indicou em um aforismo muito citado, encontrar uma resposta a ‘por que é que nós e o universo existimos’ é ‘conhecer a mente de Deus’”, diz Alister McGrath em Uma teoria de tudo (que importa): uma breve introdução a Einstein e suas ideias surpreendentes sobre Deus. Quando incluímos Deus no processo do conhecimento matemático, compreendemos mais da matemática e mais de Deus.

Por fim, quais as consequências práticas desse tipo de ensino teísta da matemática? Imagine um aluno que pergunte ao professor a razão pela qual 1+1=2, e recebe uma resposta própria da abordagem utilitária e impessoal: “porque é” ou algo do tipo. O aluno será submetido a um conhecimento pobre, impessoal, da matemática, e a compreenderá como uma ciência totalmente desorientada de sentido espiritual e moral. Mas, quando “um aluno faz a mesma pergunta a um professor, e recebe uma resposta típica de uma abordagem transcendente – ‘que 1+1=2 porque vivemos em um universo ordenado, criado por um Deus pessoal’ – então ele é submetido a um conhecimento integrado e pessoal, que fortalece a possibilidade de analogias para outras áreas mais complexas e mais significativas da existência”, nas palavras de Filipe Costa Fontes em Você educa de acordo com o que adora: educação tem tudo a ver com religião. O aluno entra em uma atmosfera de conhecimento que é capaz de expandir toda a riqueza de sentido e significado da matemática, como reflexo do ser de Deus que criou as leis matemáticas, dotou o aluno de entendimento e, finalmente, estabelece, pelo mundo criado, uma relação direta com o estudante. Assim, o matemático pode fazer cálculos para a glória de Deus.

Fernando Razente é graduado em História e professor licenciado de História para alunos do ensino fundamental da unidade de Nova Esperança da Rede Sagrado Coração de Jesus (PR).

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