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Francis Bacon.
Francis Bacon.| Foto: Wikimedia Commons

“Em geral, na natureza humana existe mais tolice do que sabedoria. (Francis Bacon)

A imagem de uma seta apontada para o que seria o leste é um artifício utilizado com certa frequência para ilustrar o que é comumente associado com a visão de progresso, algo que segue um ritmo predeterminado e inabalável. Tal percepção é fruto do que normalmente é chamado de visão moderna do mundo: algo que acontece e, uma vez estabelecido, determina mudanças amplas e definitivas, incorrendo sobre o curso do desenvolvimento das técnicas, das artes, das ciências e das instituições.

De certa forma, esta visão quase cega de um porvir glorioso e uma idade de ouro a ser realizada mascara e frustra as inquietudes, e, assim, desativa o potencial das forças de transformação e a necessidade de ação das gerações e o inconformismo com as eventuais mazelas do mundo, daí as explicações para a inação quanto à questão ambiental, o colapso climático, a destruição de tradições e a ausência de apego a símbolos de resistência, tais como as demandas sociais e o combate às desigualdades.

O papel das ideologias e o aparato quase fundamentalista de determinadas seitas, normalmente apresentadas como alternativas ao conhecimento puro e racional, escondem um espectro de elementos nada refinado, que dissimula um conjunto de sofismas e elimina os atalhos ao livre pensar, com efeitos anestésicos sobre o pensamento crítico e combativo. A internet, com sua ampla e feroz multiplicidade de atores, trouxe um elemento anárquico ao processo e tornou-se uma ferramenta poderosa para as ações iconoclastas, derrubando convenções e autoridades.

Ocorre que todo processo que se anuncia “revolucionário” carrega, no início, uma forte dose de barbárie e terror, levando à vocalização e à reverberação com elevada amplitude de opiniões e raciocínios despossuídos de reflexão, contudo carregados de ódio, raiva e mal-estar contra tudo e contra todos. Esse fenômeno se reproduz de forma perigosa no culto aos fatos alternativos e à propaganda de notícias falsas. Uma doença altamente contagiosa, cujo vírus carrega o núcleo de uma praga pior que todas as pandemias do passado, pois implica na incapacidade do ser humano em discernir sobre a sua própria existência.

O tema é complexo e de difícil compreensão, pois a percepção de uma parte da sociedade pode estar tão comprometida que o próprio anúncio da existência de uma notícia falsa pode ser entendido como fake news. Um complô contra suas crenças e uma artimanha deles: “os inimigos/infiéis”; aqueles seres portadores da verdadeira doença.

De algum modo, o culto a crenças e visões particulares do mundo pode ser equivalente a uma dose constante de alucinógeno, no qual o contaminado passa a ser hospedeiro e agente de contaminação. Viciados em doses maciças da droga, precisando de uma forma de estímulo em doses cada vez maiores, fruto da necessidade constante de confirmação do valor de sua “escolha”, tornando-se, assim, ao mesmo tempo, uma vítima e um carrasco voluntário.

Há esperança ou seremos condenados ao autoengano?

Renê Garcia Junior é secretário da Fazenda do estado do Paraná. Economista, foi diretor-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), coordenador de projetos e estudos econômicos na Fundação Getúlio Vargas e coordenador de projetos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre).

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