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A polêmica levantada sobre o uso de medicamentos antiobesidade expõe um aspecto interessante: a falta do reconhecimento da obesidade como doença e o preconceito

Raras vezes presenciamos um exercício de cidadania e de defesa de direitos dos médicos e dos pacientes, como o que ocorreu no dia 23 de fevereiro em Brasília. A opinião de representantes de várias entidades médicas e farmacêuticas foi unânime: os registros dos medicamentos anorexígenos não deveriam ser suspensos. Médicos e farmacêuticos rebateram os argumentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de que os medicamentos antiobesidade trazem mais riscos do que benefícios aos pacientes. Endocrinologistas apresentaram dados mostrando que os medicamentos são eficazes e apresentam baixo risco, quando utilizados de forma correta e sob prescrição ética. Baseados em dados científicos, revelaram que o documento utilizado pela Anvisa como referência para a recomendação da suspensão do registro dos medicamentos continha erros e interpretações tendenciosas de estudos publicados sobre o assunto.

Os participantes defenderam a permanência dos medicamentos para o tratamento daqueles indivíduos obesos que não conseguem perder peso com as medidas de mudança de estilo de vida. Também solicitaram à Anvisa maior fiscalização sobre a comercialização das medicações. Diante dos argumentos, a direção da agência recuou de seu propósito inicial. Admitiu rever o assunto, promover novas discussões, antes de uma nova tomada de decisão.

Espera-se que, a partir de agora, as decisões tomadas pela Anvisa não sejam mais unilaterais. A revisão de uma decisão não pode ser vista como derrota e sim como uma medida de bom senso.

A polêmica levantada sobre o uso de medicamentos expõe um aspecto interessante: a falta do reconhecimento da obesidade como doença, o preconceito que existe contra os obesos e os médicos que tratam da enfermidade. Tal posicionamento vindo da população leiga é até certo ponto compreensível. No entanto, algumas declarações feitas por médicos mostram como esses conceitos estão arraigados entre a própria classe médica.

Declarações como "... quando a cabeça muda, o corpo emagrece junto" só reforça a ideia de que a obesidade não é doença e que só é gordo quem quer. A obesidade é uma doença crônica sim, e com alta mortalidade. E todas as outras enfermidades se tornam mais graves quando o indivíduo é obeso. Não só as complicações cardiovasculares e o diabetes mas a asma, os cânceres, as doenças inflamatórias e muitas outras são mais difíceis de tratar no obeso. Também ouvimos: "Esses médicos vão ter de aprender a tratar a obesidade com dieta, exercícios e com medicamentos para as complicações". Nós médicos endocrinologistas que tratamos a obesidade sabemos que as mudanças no estilo de vida, o controle alimentar e o aumento da atividade física são os pilares do tratamento da obesidade. No entanto, mais da metade dos pacientes não consegue perder peso apenas com a adoção dessas medidas. Da mesma forma com o que ocorre com várias outras doenças crônicas como dislipidemias e hipertensão, quando as medidas conservadoras não são suficientes, há necessidade do uso de medicamentos.

Não existe medicamento sem eventos adversos nem existe medicamento que funcione para todos os pacientes com a mesma doença. No estudo clínico que causou a retirada da sibutramina do mercado europeu, o medicamento foi utilizado em pacientes com contraindicação formal para o seu uso e mantido durante cinco anos mesmo nos indivíduos que não perderam peso com o uso do remédio. Na prática clínica não é isso que acontece. O uso adequado dos medicamentos, respeitando-se as contraindicações, revela resultados na perda de peso. E quando o remédio não funciona ou acarreta efeitos colaterais importantes, suspende-se a medicação.

O fato de existirem desvios éticos na prescrição e a incompetência dos órgãos de vigilância em controlar e coibir o uso abusivo de remédios não são motivos suficientes para privar o médico e o paciente do uso correto do medicamento antiobesidade.

Rosana Bento Radominski, médica endocrinologista, é professora da UFPR e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

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