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Novas regras da Previdência podem gerar impacto fiscal de R$ 4,1 trilhões em 20 anos
| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

A partir da vigência da Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, estados e municípios têm o prazo de dois anos para instituírem o regime de previdência complementar para seus servidores. Trata-se, na prática, da adoção compulsória de um sistema previdenciário híbrido para os servidores públicos.

O primeiro pilar do sistema é administrado pelos já existentes Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), normalmente modelados como autarquias vinculadas à administração municipal ou estadual, presentes nos 27 estados, no Distrito Federal e em 2.995 municípios. Os demais municípios, que não têm RPPS, servem-se do próprio INSS para a gestão da previdência de seus servidores.

Os RPPS, financiados por regime de repartição, vão continuar cuidando das aposentadorias e pensões da atual massa de servidores. Para os novos servidores e para aqueles que decidam migrar para o novo sistema, responderão pelos benefícios previdenciários apenas até o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atualmente fixado em R$ 5.839,45. O teto do RGPS já foi equivalente a 20 salários mínimos na década de 70 e vem caindo progressivamente.

O segundo pilar encontrará supedâneo no Regime de Previdência Complementar (RPC), que, por força da disposição constitucional que passou a vigorar, terá de ser adotado por todos os estados e municípios. Trata-se de uma proteção previdenciária adicional. Nessa segunda camada protetiva, os servidores contarão com o patrocínio do ente federado: até os limites da lei, para cada real de contribuição do servidor à previdência complementar, o ente contribuirá com mais um real. Assim, os participantes do sistema formarão uma poupança previdenciária complementar que, a depender do esforço previdenciário de cada um, poderá proporcionar benefícios equivalentes ou até mesmo superiores às últimas remunerações.

A previdência complementar contém uma relação ganha-ganha. Além da perspectiva concreta de uma aposentadoria digna para os servidores, estados e municípios terão significativa economia em seus orçamentos, já que, para as parcelas remuneratórias acima do teto do RGPS, farão contribuição patronal com alíquotas de 7,5% a 8,5%, inferiores àquelas dos RPPS.

A “mágica” da previdência complementar é o efeito “bola de neve”. A experiência nacional e internacional mostra que a partir do 15.º ano, aproximadamente, a rentabilidade tem peso mais importante para o crescimento da poupança previdenciária do que todas as contribuições somadas. Ao fim de 35 anos, se alcança a integralidade do patrimônio previdenciário individual, contando com apenas 20% de contribuição do trabalhador e outros 20% de contrapartida do patrocinador, sendo os 60% restantes oriundos do retorno da rentabilidade.

Ou seja, o trabalhador paga por uma fatia e leva a pizza inteira.

De quebra, há um efeito colateral muito positivo para a nação: os recursos acumulados são investidos no desenvolvimento do país, fazendo toda a roda da economia girar.

Mas, da forma como vem sendo desenhada a participação dos servidores públicos, pretende-se limitar o acesso à previdência complementar apenas à elite do funcionalismo. A justificativa é a de que os servidores com remuneração inferior ao teto do RGPS já terão proteção previdenciária pelo RPPS ou pelo próprio INSS. É uma meia-verdade que, na sabedoria iídiche, é uma mentira inteira.

Os empregados de empresas privadas e estatais que têm fundos de pensão contribuem, independentemente do valor de seus salários, para a formação de suas poupanças previdenciárias complementares e contam com contrapartida de seus empregadores, mesmo tendo proteção previdenciária do INSS até o teto. Não se vislumbra fundamento que sustente que a regra tenha de ser diferente para os servidores públicos, numa lógica que perverte o conceito mais comezinho de equidade, privilegiando apenas a elite do funcionalismo.

Esquece-se que quase a metade dos servidores públicos do país ingressou nas respectivas carreiras após a vigência da Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003, que deu fim à chamada integralidade nos seus benefícios previdenciários. Na prática, tais servidores não mais farão jus à última remuneração quando se aposentarem, tendo o benefício calculado pela média das remunerações. A fórmula de cálculo da média ficou mais perversa para os servidores com a entrada em vigor da EC 103/2019. Numa “conta de padeiro”, um servidor que inicie sua carreira auferindo R$ 2 mil e a termine com uma remuneração de R$ 6 mil aposentar-se-á com um benefício de R$ 4 mil – uma dramática perda de renda na velhice.

Há de se levar em conta, ainda, que muitos dos servidores que percebem remuneração ou subsídio abaixo do teto do RGPS em algum momento de suas carreiras irão ultrapassar o teto e correm o risco de não terem mais tempo para formar poupança previdenciária.

A estratégia de oferecer proteção previdenciária complementar apenas para a elite do funcionalismo pode até funcionar bem para os proventos dos servidores da União e dos estados-membros, que têm elevada média salarial. Mas para 90% dos municípios há pouquíssimos servidores com remuneração acima do teto do RGPS. Estar-se-ia cometendo grave injustiça com os servidores, especialmente os de municípios médios e pequenos.

A melhor solução é que aqueles que venham a ingressar no serviço público após a adoção da previdência complementar possam ter proteção previdenciária complementar patrocinada, ainda que percebam remuneração ou subsídio abaixo do teto do RGPS. A estratégia é a mesma já adotada em Curitiba de forma pioneira, sem que haja majoração de ônus para os cofres públicos.

A proposta é extremamente simples, mas fará muita diferença na proteção previdenciária de milhões de brasileiros, sem aumento de custos para os contribuintes. Seria lamentável perder a oportunidade de praticar justiça social com os servidores menos favorecidos da nação.

José Luiz Costa Taborda Rauen, advogado e professor de Direito Civil da PUCPR, foi criador e é diretor-presidente da Fundação de Previdência Complementar do Município de Curitiba (CuritibaPrev), e foi presidente do Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba (IPMC).

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