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 | Ana Gabriella Amorim/Gazeta do Povo
| Foto: Ana Gabriella Amorim/Gazeta do Povo

Era tradição na família o almoço anual de confraternização. Por já serem aposentados, os mais velhos chegaram primeiro ao restaurante e já começavam a consumir. Ao meio-dia e meia, chegaram as pessoas que trabalhavam e um pouco mais tarde os jovens que ainda estudavam. Chegada a hora de pagar a conta, foi adotado o rateio uniforme das despesas, por pessoa.

Ao observar que o valor da conta estava acima do que havia consumido e, perigosamente, acima da sua capacidade de pagamento, um dos jovens questionou sobre a justiça em dividir a conta daquela maneira. Afinal de contas, os mais velhos estavam consumindo proporcionalmente mais do que os outros, mas pagando o mesmo, o que reduzia a já limitada capacidade dos mais jovens em arcar com outras despesas importantes, como as com a educação. “Será que não seria possível dividirmos a conta de forma mais racional, sem comprometer meu futuro? ”. “Esquece”, disse um dos primos, “esse é o contrato intergeracional de nossa família”.

A história é parecida com a situação da Previdência Social. Contudo, a geração que irá arcar com os custos do “contrato intergeracional” em nosso país parece não compreender todas as implicações e nuances do tema sobre suas vidas, nem está se posicionando no debate de forma a defender seus próprios interesses. Há falsa percepção entre os mais jovens de que os valores descontados de empregados e empresas para o INSS seriam acumulados para honrar a própria aposentadoria do trabalhador no futuro. Também pensam, erroneamente, que as regras de aposentadoria com que os trabalhadores jovens irão aposentar serão semelhantes às atuais ou, no máximo, com as que estão em debate no Congresso Nacional.

As pessoas na faixa dos trinta anos deverão se aposentar em condições muito mais precárias que as atuais

Pelas regras atuais, os pagamentos ao INSS financiam os benefícios previdenciários dos atuais aposentados e pensionistas e não importa o quanto o trabalhador tenha contribuído ao longo de toda a sua vida. Na verdade, pelo sistema atual, o valor esperado de sua aposentadoria dependerá do número de trabalhadores da ativa no futuro e, em última instância, da tolerância daqueles cidadãos em pagar elevados tributos visando transferir renda para os aposentados.

Além disso, as características demográficas de nosso país e a arquitetura do modelo de previdência social obrigarão a realização de várias reformas ao longo das próximas décadas que irão descaracterizar o modelo atual. Em outras palavras, as pessoas na faixa dos trinta anos deverão se aposentar em condições muito mais precárias que as atuais.

Acrescente-se ainda que os jovens tendem a rejeitar alteração das regras atuais, sem perceber os prejuízos muito maiores em sua própria vida em razão da insustentabilidade das contas da previdência pública, como a volta da inflação alta e a insolvência do país.

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Por outro lado, os grupos beneficiados pelo sistema atual possuem grande capacidade de mobilização junto ao Congresso Nacional e à sociedade civil e são hábeis em enquadrar as discussões em defesa de seus próprios interesses, dificultando a racionalização adequada do problema por parte da geração que irá arcar com os custos do sistema. Esses, notadamente, focalizam ou nas regras que impactam, de forma clara e direta, sua própria vida, como tempo de contribuição e idade mínima de aposentadoria, ou no caráter civilizatório em estender os benefícios aos menos favorecidos, mas, não se atentam ao custo imposto por privilégios a grupos específicos e de inconsistências técnicas e financeiras do modelo atual que, na prática, irão onerar de forma desproporcional e assimétrica as gerações que arcarão com a previdência. Como justificar, por exemplo, ter de trabalhar até os 65 anos, e contribuir por 49 anos, caso o trabalhador queira se aposentar com a média dos salários recebidos, para pagar aposentadoria de quem aposentou por volta dos 50 anos, 35 anos de contribuição e com valor igual ao último salário? Mais uma vez, são as nuances do “contrato intergeracional” prejudicando desproporcionalmente os mais jovens.

Em função da assimetria de informações e da habilidade dos grupos beneficiados em enquadrar o problema de forma a lhes favorecer, antes de voltar a discutir os detalhes técnicos da reforma da previdência, o novo governo deveria enfrentar a batalha da comunicação com os jovens, esclarecendo que os recursos públicos são limitados e que, ao beneficiar um grupo de cidadãos – os aposentados, e em particular, aqueles que gozam de privilégios especiais – a sociedade está optando por reduzir os recursos direcionados aos mais jovens e ao fomento ao crescimento do país.

Não se trata de prejudicar os aposentados, mas de fomentar um debate construído com base na transparência, onde fiquem claros os custos e benefícios de cada alternativa, bem como, sobre quem recairá o ônus do sistema. Até agora, as gerações mais velhas têm conseguido transferir o custo do sistema para as novas gerações, mas em função da alteração demográfica observada no país, esse ônus está cada vez mais pesado para os jovens e para a própria economia. O “contrato intergeracional” tem de ser revisto!

William Baghdassarian é professor de Finanças do Ibmec-DF. Lúcio Guerra é especialista em Orçamento Público.
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