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Se o suicídio é evitável, por que há tanta gente morrendo assim? É o décimo fator mais comum de óbito nos EUA, e os números não param de subir.

Há alguns anos tratei uma paciente, comissária de voo, que tinha sido levada à unidade de crise psiquiátrica pelo irmão, depois que ele notou seu comportamento anormal em uma festa de casamento: após a cerimônia, ela entregou presentes e cartas emocionadas a seus familiares. E, quando ele a levou para casa, notou que vários móveis e pinturas não estavam mais lá; para completar, encontrou três frascos fechados de remédio para dormir no banheiro.

Resolveu colocá-la contra a parede e ela admitiu ter doado suas coisas para uma instituição de caridade – como também ter esvaziado a conta que seria para a aposentadoria para quitar o financiamento da casa, do carro e todas as contas.

Quando eu a entrevistei, ela confessou que havia quatro meses que fazer qualquer coisa – como comer, limpar a casa ou falar com os vizinhos – lhe exigia um esforço colossal sem lhe dar nenhum prazer. Sentia-se exausta por ter de viver um dia após o outro e a ideia de se manter assim nos (muitos) anos vindouros lhe parecia um tormento intolerável.

Depois de avaliá-la, disse-lhe que estava vivendo um episódio de depressão bipolar e precisava se comprometer a frequentar o hospital durante o tratamento. Ela deu de ombros e uma resposta das mais problemáticas: "Não estou nem aí."

Os antidepressivos parecem uma solução óbvia, mas apenas de 40 a 60% dos pacientes que os tomam se sentem melhor

Um dos motivos por que me lembro tão bem dessa mulher é que, de todos os pacientes cujo risco de suicídio já avaliei, ela foi uma anomalia: tinha o propósito contínuo e bem planejado de acabar com a própria vida. Felizmente, foi também o que a revelou, e a família conseguiu agir rápido, colocando-a sob tratamento emergencial. Ela respondeu bem ao lítio, um dos dois medicamentos psiquiátricos que comprovadamente reduzem o risco de suicídio (o outro é um antipsicótico, a clozapina). Aos poucos, a depressão foi amenizando e ela começou a se lembrar das coisas que faziam a vida valer a pena.

Ela era exatamente o tipo de suicida que os psiquiatras estão preparados para ajudar, alguém com uma doença mental não diagnosticada, mas tratável, que precisa apenas ser protegida de si mesma até que a medicação comece a fazer efeito.

A maioria dos pacientes suicidários que atendo segue um padrão diferente, como a que um residente me apresentou recentemente: uma mulher de meia-idade sem histórico psiquiátrico que chegou após ter sofrido uma overdose de ibuprofeno. Ela estava em situação de rua havia pouco tempo. Depois de sete anos de sobriedade, tivera uma recaída, tomando metanfetamina para conseguir ficar acordada à noite após ter sido atacada sexualmente no parque onde dormia. Não tinha família com que contar, nem seguro, nem fonte de renda e nem escolaridade além do ensino médio.

Ela não via saída para sua situação; assim, entrou em uma farmácia, pegou um frasco de ibuprofeno e foi ao banheiro, onde engoliu o maior número possível de comprimidos antes que alguém entrasse.

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Perguntei ao residente como ele planejava ajudá-la enquanto estivesse no hospital; depois de uma pausa, sugeriu, hesitante: "Entrar com antidepressivos?" Dava para perceber que ele sabia quanto a solução era ridícula.

Como médicos, queremos ajudar o público, e é difícil admitir que nossos meios são limitados. Os antidepressivos parecem uma solução óbvia, mas apenas de 40 a 60% dos pacientes que os tomam se sentem melhor – e, embora quase 10% da população inteira do país os consumam, são mínimas as evidências convincentes de que reduzam o número de suicídios.

Isso porque muitos dos problemas que levam a pessoa a tirar a própria vida não podem ser solucionados com uma dose extra de serotonina; antidepressivo não oferece emprego ou moradia acessível, não conserta relacionamentos falidos nem resulta em sobriedade.

A prevenção do suicídio também é complicada porque raramente a família tem ideia de que aquela pessoa que ama está prestes a tentar se matar; aliás, geralmente, ela mesma não se conhece. O planejamento meticuloso da comissária é raro; muito mais comum é pegar o que quer que esteja à mão no momento do desespero.

Segundo uma análise de 2016, quase metade das pessoas que tenta se matar o faz por impulso; outro estudo, de 2001, que entrevistou sobreviventes de tentativas quase letais (definidas como aquelas que teriam acabado em morte se não fosse uma intervenção médica emergencial, ou qualquer uma que envolva uso de armas), concluiu que cerca de 25% levaram menos de cinco minutos para pensar no que estavam prestes a fazer – o que não dá muito tempo para alguém perceber algo errado e intervir.

A assistência psiquiátrica de qualidade para pacientes não internados é difícil de achar

Apesar disso, os profissionais da saúde mental perpetuam a narrativa de que o suicídio é evitável, basta que pacientes e familiares sigam os passos certos. As campanhas estimulam as pessoas a superar o estigma, falar com alguém ou ligar para aquela linha especial dão a entender que a ajuda está disponível, basta buscá-la.

Só que não é fácil assim. A assistência psiquiátrica de qualidade para pacientes não internados é difícil de achar, de difícil acesso e extremamente custosa. A internação é reservada para os casos mais graves – e mesmo para eles não há leitos suficientes. Iniciativas como linhas telefônicas especiais à disposição e campanhas para vencer o preconceito se concentram em abrir mais oportunidades para os serviços de saúde mental, mas podem se comparar à abertura de portas em um prédio vazio.

Mas há, sim, algumas coisas que podemos fazer para impedir o suicídio – e uma das estratégias mais que comprovadas é a restrição de acesso a armas letais, de modo que, quando a pessoa cai em desespero, há grandes chances de que qualquer tentativa não seja fatal. Se minha primeira paciente tivesse uma arma em casa, certamente não teria chegado até mim; se minha segunda paciente tivesse pegado paracetamol em vez de ibuprofeno, provavelmente também não. Impedir a morte naquele momento impulsivo de desespero é crucial no sucesso da redução. Ao contrário da opinião popular, somente uma porção pequena de pessoas que sobreviveram a uma tentativa séria de suicídio tenta novamente por outros meios.

Leia também: Infância estimulada e adolescência suicida (artigo de Luciano Alvarenga, publicado em 19 de junho de 2017)

Leia também: Álcool, depressão e suicídio (artigo de Diana de Lima e Silva, publicado em 28 de setembro de 2017)

A pessoa chega à decisão de deixar de viver por vários caminhos diferentes, algumas ao longo de vários meses, mas muitas em questão de minutos; essas não serão interceptadas pelo sistema de saúde mental. Sem dúvida, precisamos de mais serviços psiquiátricos e mais pesquisa para oferecermos tratamentos melhores, mais rápidos e eficientes para a depressão severa e os pensamentos suicidas, mas isso nunca será o suficiente.

Temos de agir em cima das causas do problema do suicídio no nosso país, ou seja, a pobreza, a falta de moradia e a consequente exposição ao trauma, à criminalidade, às drogas. Isso significa melhores tratamentos para o alcoolismo e os entorpecentes, terapia familiar, recursos para moradia de baixa renda, capacitação profissional e terapia individual. E, para aqueles que correm perigo e passam batido por todos os sinais de alerta, é essencial que não tenham acesso a armas ou medicações letais.

Se ignorarmos tudo isso e insistirmos no discurso que prega uma solução simples à mão, as famílias das vítimas do suicídio vão ficar eternamente questionando onde falharam, o que fizeram de errado.

Amy Barnhorst é vice-diretora da cadeira de psiquiatria comunitária da Universidade da Califórnia, em Davis.

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