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Esta sexta-feira marca os quatro anos da retirada oficial das tropas de combate norte-americanas do território iraquiano. Há poucos dias, em 13 de dezembro, completou-se um mês desde os atentados terroristas de Paris, levados a cabo pelo Estado Islâmico. É muito simbólica a proximidade das duas datas. Apesar de distantes no tempo e no espaço, e de aparentemente desconexos, um olhar mais atento percebe que há uma íntima relação entre estes dois eventos.

Para entender tal relação, é preciso voltar no tempo e ter em atenção o desastroso processo de reconstrução pós-invasão realizado no Iraque pelos Estados Unidos. É inegável que a emergência do Estado Islâmico na cena internacional é resultado direto do mesmo. Desde o seu início, o processo de reconstrução do Iraque é talvez o caso mais emblemático de tudo o que não deve ser feito em uma situação como essa. Os exemplos são inúmeros – indo desde a recriação da legislação de trânsito iraquiana baseando-se na simples cópia da legislação de um estado norte-americano até o total despreparo de boa parte da equipe enviada ao Iraque.

Contudo, a negligência de dois elementos centrais a qualquer processo de reconstrução pós-bélica foi particularmente grave: a relutância em envolver importantes atores iraquianos no processo e dividir poder com e entre os mesmos, assim como a desastrosa dissolução do exército iraquiano. Ambos os elementos foram consequências do processo de exclusão da vida política iraquiana de qualquer pessoa minimamente relacionada ao Partido Ba’ath (liderado por Saddam Hussein), sobretudo políticos, funcionários públicos e membros das Forças Armadas. Este cego processo de “desba’athificação” marginalizou setores estruturantes da sociedade iraquiana.

Um cego processo de “desba’athificação” marginalizou setores estruturantes da sociedade iraquiana

O Iraque pós-invasão passa a ser governado pela maioria xiita, com a minoria sunita ocupando alguns postos importantes como o de vice-primeiro-ministro e ministro da Economia. Contudo, este era um equilíbrio mínimo e muito tênue. Aos poucos, setores estruturantes da sociedade iraquiana passaram a sentir-se – com razão – excluídos do processo de reconstrução. Não era preciso muito para perceber que este contexto de forte alijamento, aliado a um Estado iraquiano propositalmente frágil, sobretudo em termos securitários, traria consequências desastrosas.

É precisamente esse cenário o vácuo necessário para a emergência do Estado Islâmico no Iraque, a partir de uma célula da al-Qaeda já presente no país. Mais grave ainda, o desastroso processo de reconstrução pós-bélica do Iraque forneceu dois dos alicerces mais fundamentais do funcionamento do Estado Islâmico – sua organização administrativa, assim como a sua estrutura bélica e de combate. O Estado Islâmico tem hoje a força e a organização que a al-Qaeda de Osama bin Laden nunca teve.

Assim, este aniversário deve servir para se pensar acerca de algo central para as relações internacionais contemporâneas. A data deve servir para se ter em mente que um processo de reconstrução pós-bélica, ao contrário de trazer mais segurança ao cenário internacional, estabilizando e restruturando um determinado cenário pós-conflito, quando mal operacionalizado pode levar precisamente ao seu contrário: a uma grande instabilidade e insegurança internacionais. Nesse sentido, o caso do Iraque deveria ser, sobretudo, pedagógico.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
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