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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Depois de notas promissoras ou promessas apocalípticas, o Brasil experimenta pouco mais de um semestre de aplicação da Lei 13.467/17, a conhecida reforma trabalhista. Os grandes vetores foram: segurança jurídica, racionalização do sistema jurídico laboral e simplificação das normas com mais liberdade.

No primeiro aspecto, o da segurança jurídica, é fato que vivemos um momento de transição, tanto na prática do dia a dia das empresas e trabalhadores como da comunidade jurídica. Nos setores de recursos humanos e nos escritórios jurídicos ainda pairam muitas dúvidas. Já vi, por exemplo, microempresas pagando o depósito recursal integral quando a lei lhes garante o depósito de apenas metade. Percebam que a desinformação custa dinheiro.

As primeiras convenções coletivas de trabalho posteriores à nova lei se desenham e desafiam novos conceitos e patamares de negociação. Muitos conceitos legais para os contratos de trabalho individuais ou para o direito coletivo do trabalho ainda vão sendo assimilados e aos poucos ganham musculatura, o que é típico de um momento de transição, numa lei que sofreu mudança vertical, profunda, em mais de 200 artigos.

Os juízes, Tribunais Regionais e os Tribunais Superiores fazem seu trabalho para construir a almejada segurança jurídica. Por ora, o que se tem é que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já regulamentou questões fundamentais, como o próprio alcance da reforma, no sentido de que ela alcança contratos de emprego firmados antes da lei, e que honorários advocatícios de sucumbência (aquele que perde deve pagar honorários) somente são devidos em causas que deram entrada após 11 de novembro de 2017. Destaca-se, também, a decisão recente do STF sobre o “imposto” sindical, concluindo que a nova lei tem validade e é constitucional.

As causas trabalhistas caíram em cerca de 50% em todo o país, segundo dados consolidados e recentes

O STF, analisando diversas matérias trabalhistas derivadas da reforma, vai conferindo segurança jurídica aos institutos criados pela nova lei trabalhista. Os juízes também cumprem seu papel quando, em sua maioria, já aplicam a nova lei. A segurança jurídica será construída pela sociedade e pelo Judiciário num prazo que, acredito, durará de dois a cinco anos, num caminho que passa por decisões e recursos, até a firmação da jurisprudência.

No vetor da racionalização, as causas trabalhistas caíram em cerca de 50% em todo o país, segundo dados consolidados e recentes, e o mais importante: os valores envolvidos nas causas, obtidos por meio dos pedidos feitos em juízo, são bem mais reais e razoáveis. Antes, podia um trabalhador laborar por três meses ou três anos, o valor da causa seria de R$ 35 mil. Agora, com a determinação da nova lei em firmar o correto valor da causa, e com mais seriedade nos pedidos judiciais, o valor das causas despencou substancialmente, revelando-se mais razoável e proporcional.

O novo valor das causas está indelevelmente proporcionando um fenômeno que deveria ser antigo, mas é recente nos termos da reforma: quem pede sabe exatamente o quanto está pedindo, e quem é demandado sabe em exatamente quanto está sendo cobrado em juízo. O resultado disso é um maior número de conciliações, inclusive antes das audiências, fenômeno que tem sido observado pelo menos na unidade judiciária em que atuo, e que, acredito, se repete em maior ou menor grau nas mais de 1,5 mil Varas do Trabalho do país. A redução das causas trabalhistas mostra que a legislação falecida instigava a litigiosidade, acrescendo o “custo Brasil”. Na época da reforma, vale lembrar, tínhamos 12 mil novas ações trabalhistas por dia no país.

Finalmente, temos mais liberdade, à medida que o Estado interfere menos na vida das pessoas. A lei geral, por melhor que possa ser, não consegue dar conta de um país de dimensões continentais, heterogêneo e complexo. Por isso a lei dá força às convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho, em que os sindicatos (patronal e dos empregados) é que firmam as cláusulas a serem cumpridas por determinado setor, em determinada localidade. Mais liberdade e flexibilidade para criar regras que atendam às peculiaridades locais, valendo mais que a própria lei, e com revisões periódicas.

Leia também: A Previdência e a ilusão (editorial de 24 de junho de 2018)

Leia também: Benefícios e riscos da reforma trabalhista (artigo de Fabio Luiz de Queiroz Telles, publicado em 27 de janeiro de 2017)

Entre todas as novidades em termos de jornada de trabalho, destaco o trabalho por dia ou por hora, em que o empreendedor só chama o empregado quando houver demanda: é o trabalho intermitente, que já existe há mais de 80 anos nos Estados Unidos e agora chega ao Brasil. O empregado pode ter vários vínculos intermitentes, todos com carteira assinada; uma excelente oportunidade para o primeiro emprego, para desempregados e para pessoas da terceira idade.

Quando da aprovação da reforma trabalhista, o país tinha 54% de trabalhadores na informalidade. O trabalho intermitente procura trazer liberdade para as partes, quanto ao tempo e períodos de trabalho, dando oportunidade e segurança ao empregado (que terá garantias previdenciárias e trabalhistas) e segurança jurídica ao empregador.

A terceirização da atividade principal da empresa, também conhecida como atividade fim, é uma possibilidade da nova lei, mas deve-se atentar que, para o mundo jurídico, o conceito de terceirização é muito restrito e diferente do que as pessoas imaginam. Terceirizar, para a lei, não significa contratar “PJs”, mas contratar uma empresa de terceirização que forneça empregados para a realização da atividade. A possibilidade de terceirização também suaviza a interferência, até certo ponto, do Estado na relação de emprego, à medida que não dita ou restringe a forma de contratação e execução de uma atividade privada.

Alguns mitos ainda sobrevivem a seis meses de reforma e devem aqui ser desfeitos: o trabalhador não pode negociar diretamente com o patrão, exceto em um ou dois casos somente; a jornada de trabalho continua sendo de oito horas, com duração semanal de 44 horas e no máximo duas horas extras por dia; o registro em carteira de trabalho é essencial, pois a lei inclusive criou uma multa que varia de R$ 800 (para micro empresas) até R$ 3 mil (para as demais empresas) para cada empregado sem registro.

O trabalhador não pode negociar diretamente com o patrão, exceto em um ou dois casos somente

Mas só a reforma trabalhista não basta. Evidente que uma legislação mais moderna, libertária e flexível incentiva alguém a empreender e a gerar mais empregos. Mas temos de trabalhar na facilidade para se fazer negócios, na redução da burocracia e do custo do Estado, em uma reforma tributária para que uma empresa não pague mais de 25 impostos diferentes para um Estado nitidamente ineficiente, nas reformas administrativa, da matriz energética, da matriz logística e da matriz comercial, na estabilização da economia, que deriva em muito da política; assim podemos elevar a confiança do consumidor e do empresariado.

A reforma trabalhista é apenas uma semente de liberdade para o Brasil. Não é nem a bonança nem o apocalipse, mas um breve sinal de dias melhores.

Marlos Augusto Melek é juiz federal do Trabalho, membro da equipe de redação da Reforma Trabalhista e Comendador pelos estados do Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará.
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