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A tecnologia não é neutra, mas sim fruto de escolhas, de decisões humanas inerentes ao seu processo de desenvolvimento

Um recente artigo de Vint Cerf, considerado um dos pais da internet, publicado no The New York Times, esquentou o debate sobre direitos humanos e internet. Segundo o autor, o acesso à internet não deveria ser considerado um direito humano, pois, como toda tecnologia, é apenas uma "viabilizadora de direitos"; um meio e não um fim em si mesma.

A discussão sobre internet como direito humano é relevante, mas uma outra – e pouco comentada – parte do artigo merece ser destacada. No mesmo texto, Vint Cerf afirma que o progresso tecnológico deriva das realizações alcançadas por técnicos e que deveria caber aos mesmos decidir sobre os rumos da tecnologia, inclusive garantindo que a internet continue a viabilizar o exercício de direitos humanos.

Essa afirmação possui um destinatário oculto (os governos) e pode ser lida como um discurso em prol da autorregulação técnica da internet. A ideia parece igualmente simpática e arriscada. O risco mais evidente é a sua própria radicalização, levando ao entendimento de que a internet, como recurso técnico, não deveria ser objeto de decisões políticas.

Essa percepção perde de vista o fato de que a tecnologia não é um dado, mas sim um construído. Naturalmente a tecnologia não é neutra, mas sim fruto de escolhas, de decisões humanas inerentes ao seu processo de desenvolvimento. Ela não gera impactos na sociedade, como algo externo que se desloca e colide com a sociedade; ao contrário, ela está na sociedade. Por isso mesmo existem tecnologias mais ou menos propensas a gerar certos comportamentos.

Veja o exemplo das redes sociais e como a sua própria arquitetura sugere os efeitos derivados do seu uso. Redes em que se pode seguir quem bem entender são mais diversificadas e informativas, estimulando a crítica e a troca de ideias. Redes sociais que apenas permitem acompanhar a postagem de amigos, por outro lado, podem isolar o usuário em uma verdadeira bolha de preferências, estilos e ideologias partilhadas apenas por um grupo reduzido de pessoas que se parecem entre si.

O resultado de se defender uma regulação estritamente técnica da internet significa então apenas retirar de cena os canais políticos institucionalizados, pois a tecnologia é o resultado de escolhas, de decisões que são, em última instância, políticas.

Muito se especula se o texto de Vint Cerf seria uma resposta do Google (empresa na qual o autor ocupa o cargo de chefe-evangelista) contra movimentações políticas no cenário norte-americano, sobretudo contra o chamado Sopa (Stop Online Piracy Act), que afeta diretamente provedores e usuários da rede.

Se for esse o caso – e a causa é boa – será importante compreender como a internet é sim um espaço para viabilização de direitos, mas cuja construção cabe não apenas à comunidade de especialistas, mas também aos governos, empresas, terceiro setor, academia e, é claro, ao usuário da internet, que deve ser participante e o fim de toda regulação da rede.

Carlos Affonso Pereira de Souza, é vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas/RJ.

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