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O rapaz tinha 23 anos quando começaram as alucinações; ele se convenceu de que seus pensamentos “vazavam” de sua cabeça e que as outras pessoas podiam ouvi-los. Quando via TV, achava que os atores estavam lhe fazendo sinais, tentando se comunicar. Tornou-se irritadiço, ansioso e não conseguia dormir.

O Dr. Tsuyoshi Miyaoka, psiquiatra que o tratava na Shimane University School of Medicine, no Japão, acabou fechando o diagnóstico em esquizofrenia paranoide e receitando uma série de antipsicóticos. Nenhum ajudou. Os sintomas eram, no jargão médico, “resistentes ao tratamento”.

Um ano depois, a situação do paciente piorou: passou a sentir fadiga, febre e falta de fôlego. Descobriu-se que tinha um câncer sanguíneo chamado leucemia mielogênica aguda. Para sobreviver, precisava de um transplante de medula. E depois do procedimento, veio o milagre: as alucinações e a paranoia praticamente desapareceram. A esquizofrenia parecia ter evaporado.

Hoje, anos depois, “ele parou completamente com a medicação e não mostra nenhum sintoma psiquiátrico”, me disse o Dr. Miyaoka por e-mail. Não se sabe como, o transplante curou a esquizofrenia do jovem.

Um transplante de medula basicamente zera e reinicializa o sistema imunológico; a quimioterapia “mata” as antigas células brancas, e as novas são geradas a partir das células-tronco do doador. Não é aconselhável extrapolar demais a partir de um único caso, e é possível que os remédios que o paciente tomou ao longo do procedimento do transplante o tenham ajudado, mas sua recuperação sugere que era seu sistema imunológico que, de alguma forma, estimulava os sintomas psiquiátricos.

À primeira vista, a ideia parece, no mínimo, bizarra – o que o sistema imunológico tem a ver com o cérebro? –, mas vai ao encontro de uma literatura cada vez mais robusta que sugere que esteja envolvido com problemas psiquiátricos, desde a depressão até o transtorno bipolar.

Aqueles que sofrem de determinadas doenças autoimunes, como lúpus, também podem desenvolver o que parece um mal psiquiátrico

A teoria tem um longo histórico que, de certa forma, sempre foi um tanto negligenciado. No fim do século XIX, os médicos notaram que quando alguma infecção invadia as alas psiquiátricas, a febre resultante parecia causar algum tipo de melhoria em alguns pacientes mentalmente doentes e até catatônicos.

Inspirado por essas observações, o austríaco Julius Wagner-Jauregg desenvolveu um método de infectar os pacientes psiquiátricos deliberadamente com malária para induzir a febre; alguns morreram com o tratamento, mas muitos outros se recuperaram. E ele ganhou o Prêmio Nobel em 1927.

Um caso de estudo muito mais recente revela que os sintomas psicóticos de uma mulher – ela sofria do transtorno esquizoafetivo, que combina sintomas da esquizofrenia e algum distúrbio de humor, como a depressão – desapareceram depois de uma infecção grave com febre alta.

Os médicos modernos também observaram que aqueles que sofrem de determinadas doenças autoimunes, como lúpus, também podem desenvolver o que parece um mal psiquiátrico. Esses sintomas provavelmente são resultado do ataque do sistema imunológico ao nervoso central, ou de uma inflamação mais generalizada que afeta o funcionamento do cérebro.

De fato, nos últimos quinze anos surgiu um novo campo chamado neurologia autoimune, que descreve pelo menos duas dúzias de doenças que afetam o cérebro e o sistema nervoso, sendo a mais conhecida a encefalite do receptor anti-NMDA, famosa por fazer parte do livro de memórias de Susannah Cahalan, “Brain on Fire”. Elas podem se assemelhar ao transtorno bipolar, à epilepsia, e até à demência – e geralmente são assim diagnosticadas inicialmente. Porém, quando tratadas imediatamente com terapias supressivas, o quadro que parece ser de demência, é revertido; a psicose evapora; a epilepsia para. Pacientes que há apenas uma década poderiam ter sido internados, ou mesmo morrido, hoje melhoram e recebem alta.

É fato que essas doenças são extremamente raras, mas sua existência sugere que pode haver outros males imunológicos que afetam o cérebro e o sistema nervoso que ainda não conhecemos.

O Dr. Robert Yolken, professor de Neurovirologia de Desenvolvimento na Johns Hopkins, calcula que um terço dos pacientes esquizofrênicos mostra algumas evidências de distúrbios imunológicos. “O papel da ativação imune em transtornos psiquiátricos graves talvez seja a novidade mais interessante a respeito deles”, afirma.

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Estudos sobre o papel dos genes na esquizofrenia também sugerem o envolvimento imunológico, descoberta que, para o Dr. Yolken, ajuda a resolver um antigo quebra-cabeças. A tendência de quem sofre de esquizofrenia é não ter muitos filhos; como então os genes que aumentam o risco da doença, assumindo-se que existam, sobreviveram ao longo do tempo? Uma possibilidade é a de que o ser humano os retenha porque o ajudaram a combater patógenos no passado. Algumas doenças psiquiátricas podem, em parte, ser consequência involuntária de um sistema imunológico agressivo.

O que nos leva de volta ao paciente do Dr. Miyaoka. Há outras explicações possíveis para sua recuperação. O Dr. Andrew McKeon, neurologista do centro de neurologia autoimune da Clínica Mayo em Rochester, Minnesota, afirma que o rapaz pode ter sofrido de uma doença chamada síndrome paraneoplásica. Ela ocorre quando o sistema imunológico do paciente de câncer ataca o tumor, no caso, a leucemia; acontece que algumas moléculas do sistema nervoso central se parecem com as do tumor e, por isso, ele acaba agredindo também o cérebro, causando problemas psiquiátricos ou neurológicos. Essa doença foi importante historicamente porque forçou os pesquisadores a considerar o sistema imunológico como causa de sintomas psiquiátricos e neurológicos, até acabarem descobrindo que, espontaneamente, sem relação nenhuma com o tumor maligno, pode causar sintomas psiquiátricos.

Outro caso na Holanda também destaca essa relação ainda misteriosa. Nesse estudo, do qual o Dr. Yolken é um dos autores, um homem com leucemia recebeu um transplante de medula de um de seus irmãos, esquizofrênico; venceu o tumor, mas desenvolveu esquizofrenia. Quando adquiriu o mesmo sistema imunológico, desenvolveu sintomas psiquiátricos semelhantes.

A grande questão é: se tantas síndromes geram sintomas semelhantes aos da esquizofrenia, será que não deveríamos examinar essa entidade mais de perto?

Há muito tempo alguns psiquiatras já propunham que o que existe são várias “esquizofrenias”, ou seja, caminhos diferentes que levam ao que parece ser um transtorno. Será que um deles é autoinflamatório ou autoimune?

Se tantas síndromes geram sintomas semelhantes aos da esquizofrenia, será que não deveríamos examinar essa entidade mais de perto?

Se esse conceito se confirmar, o que podemos fazer a respeito? A cirurgia de transplante de medula é arriscada e extrema, e mesmo se a base teórica fosse 100% garantida, o que não é o caso, é pouco provável que se torne um tratamento popular para as doenças psiquiátricas. O Dr. Yolken diz que, por enquanto, os médicos responsáveis por pacientes de leucemia que também sofrem de algum mal psiquiátrico devem monitorar o progresso pós-transplante, para podermos aprender mais.

E talvez possa haver outras intervenções menos radicais, como a descoberta acidentalmente pelo Dr. Miyaoka, há uma década. Tratando dois pacientes de esquizofrenia praticamente catatônicos com minociclina, um antibiótico antigo geralmente usado para acne, viu ambos se normalizarem completamente. Ao suspender a medicação, porém, a psicose voltou. A solução foi receitar uma dosagem contínua baixa e lhes dar alta.

Desde então a minociclina vem sendo estudada por outros especialistas. Triagens maiores sugerem que seja um tratamento complementar efetivo contra a esquizofrenia. Há quem diga que a medicação funciona porque reduz a inflamação no cérebro, mas também é possível que afete o microbioma – a comunidade de micróbios que integra o corpo humano – e, consequentemente, o funcionamento do sistema imunológico.

Recentemente o Dr. Yolken e seus colegas vêm explorando a ideia com uma ferramenta diferente: os probióticos, micróbios que podem melhorar a função imunológica. Ele se concentra em pacientes com paranoia, doença de que tem um sinal imunológico relativamente claro. Durante os episódios maníacos, vários pacientes têm níveis elevados de citocinas, moléculas secretadas pelas células imunológicas. Tratou 33 pacientes paranoides que já tinham sido hospitalizados profilaticamente com um probiótico. Em um período de seis meses, aqueles que tomaram o produto (junto com a medicação normal) mostraram 75% menos chances de serem internados por causa de uma crise em relação aos que não tomaram.

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O estudo é preliminar, mas sugere que ter a função imunológica como alvo pode melhorar as soluções dos casos de problemas mentais e que a experimentação com o microbioma talvez seja uma maneira prática e altamente benéfica em termos de custo-benefício.

Momentos considerados divisores de águas ocorrem na história médica quando doenças anteriormente intratáveis, ou mesmo fatais, de repente se tornam tratáveis ou preveníveis; às vezes, também vêm acompanhados por uma mudança na forma como os cientistas encaravam os males em questão.

Parece que agora chegamos a tal limite com certas doenças autoimunes cerebrais. Não faz muito tempo, elas podiam representar uma sentença de morte ou garantia de internação vitalícia; hoje, com tratamento agressivo direcionado ao sistema imunológico, muitos pacientes conseguem se recuperar. Será que esse grupo pode incluir um grupo maior dos transtornos psiquiátricos? Ninguém sabe ainda, mas é muito estimulante poder observar como a questão vai se desenvolver.

Moises Velasquez-Manoff, autor de “An Epidemic of Absence: A New Way of Understanding Allergies and Autoimmune Diseases”, é editor da revista Bay Nature.
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