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Em 2020, Brasil fechou escolas por 178 dias, em média. Isso afetou a qualificação e a renda futura de muitos brasileiros.
Em 2020, Brasil fechou escolas por 178 dias, em média. Isso afetou a qualificação e a renda futura de muitos brasileiros.| Foto: Unsplash

Não há como estudar filosofia da educação sem fazer uma passagem pela sociologia e pela antropologia. E este conhecimento me mostrou que a chamada “família tradicional” foi a origem da sociedade. Aristóteles fez um grande estudo em sua época sobre este tema e verificou que foi sempre em torno de uma grande personalidade que as pessoas se reuniam. Um homem ou uma mulher, ou ambos, que apresentavam grandes virtudes ao ponto de aglutinar ao seu redor uma grande família, assim era o “oykos” dos gregos.

Foi em cima desta sociedade desenvolvida com base na família, aqui no Ocidente, que o poder financeiro se desenvolveu também, facilitado pela liberdade que o cristianismo propiciava por reconhecer a existência do Direito Natural e a plena liberdade. Após a Revolução Industrial, aqueles que detinham o controle dos bancos foram assumindo o controle paulatino da estrutura social de todo o mundo. Este processo começou na Inglaterra, sede da Revolução; depois, chegou à França e demais países europeus. Seguiu para as Américas e para o restante dos países asiáticos. Mas para que controlar a sociedade?

É neste contexto que vamos entender que esta sociedade tradicional veio a se tornar secundarizada, mas o que é isto? Foi o sociólogo Kingsley Davis, patrocinado por John Rockefeller III, que estudou e dividiu a sociedade em primária e secundária. Uma instituição primária seria, como o próprio nome diz, a original, o princípio do processo de formação social; a instituição secundária seria coadjuvante no processo social, agindo secundariamente e dando suporte à primária.

De maneira simplificada, Davis diz que, em uma sociedade predominantemente primária, as pessoas são consideradas inicialmente dentro da família tradicional em que nascem, se formam e se reúnem. Esta é uma instituição que não divide, que não isola. Que não tem valores apenas econômicos, mas valores elevados de altruísmo, de respeito, de dedicação e de amor. É o local onde o indivíduo é insubstituível, mesmo após seu falecimento. Um pai sempre será o pai dos seus filhos e nunca outra pessoa o substituirá, ainda que sua mãe se case novamente.

Já em uma instituição secundária, todos os integrantes são tratados como membros substituíveis, podendo mudar de instituição a qualquer momento. Por exemplo, do gerente ao funcionário de um negócio, todos poderão ser admitidos ou substituídos pelo seu bom ou mau aproveitamento. Até os donos das empresas podem mudar. Não há vínculos fortes de união; normalmente esta vinculação é apenas momentânea e pouco duradoura.

Dessa maneira, os valores neste novo tipo de sociedade são diversos daqueles da família tradicional, podendo ser a riqueza, a alimentação, o emprego, a força física, a sexualidade ou outra necessidade do indivíduo que o faz aproximar-se da instituição ou formar uma própria, sendo substituída assim que este mesmo indivíduo não tenha aquilo que procurava ali, buscando uma outra que venha a satisfazê-lo.

Este “secundarismo” leva as pessoas a estarem ligadas apenas por interesses imediatos e temporários. Elas utilizam-se temporariamente da instituição a que pertencem; esta também se estrutura para utilizar-se das pessoas por um tempo determinado, buscando a eficiência desta reunião até que estes interesses acabem por falta desta mesma eficiência. Dessa maneira, uma empresa de qualquer natureza atrai pessoal para fazê-la funcionar e dá um retorno para estas pessoas, fazendo-as permanecerem ali por um período determinado e que seja compensador.

Não há como estudar filosofia da educação sem fazer uma passagem pela sociologia e pela antropologia. E este conhecimento me mostrou que a chamada “família tradicional” foi a origem da sociedade.

Onde entra o poder econômico neste processo? Ora, na instituição primária, os indivíduos são o que são, considerados como tais. Mas uma empresa econômica não pode se sustentar carregando pessoas que não colaborem com a sua produção. A empresa vai selecionar a entrada dos melhores e demitir os piores, buscando a eficiência econômica máxima e o maior lucro possível. Por isso podemos afirmar claramente que após a Revolução Industrial a família tradicional, que era um ponto forte na formação da sociedade, veio sendo paulatinamente menosprezada, chegando ao ponto de até ser desestruturada. Era preciso mudar o sistema social, favorecendo uma nova ordem social que enfatizasse a instituição secundária para dar maior velocidade ao desenvolvimento econômico. Podemos identificar, por exemplo, o divórcio como um desses degraus, seguido de vários outros para desestabilizar a família entendida como a origem da sociedade.

Podemos ver agora que esta desconsideração e transformação da família tradicional visa tão somente a fazer com que ela perca sua maior força, que é a “primarização” da sociedade. Um dos objetivos da criação familiar dos filhos é a educação deles dentro desta instituição primária, onde os filhos aprendem que existem valores que mantêm a família unida como a fraternidade, o respeito, a solidariedade, a maternidade, a paternidade, enfim, o amor familiar, tão caro na sociedade humana em todas as épocas e por meio do qual ninguém deve ser desprezado, do mais novo ao mais idoso. Kingsley Davis enfatiza que as empresas devem se formar imitando as famílias para parecerem mais atrativas às pessoas; poderia citar uma afirmação de Thomas J. Watson, dono da IBM, que dizia: “Vejam-me como o chefe da família”.

Assim, depois de entendermos o que seja a sociedade secundarizada, podemos adentrar na esfera educacional.

Observamos a importância em se controlar de forma centralizada a educação em geral para formar cada vez mais cidadãos sem vínculos familiares: sem este apego à família e mais dedicada à sociedade, como se esta formasse aquela, e não o contrário. Faz-se necessário preparar o cidadão para sua função social global, não aprisionada à sua família, seu local de nascimento ou sua nacionalidade.

Esta marcha a caminho desta centralização começou há algum tempo e em âmbito internacional. Não se pode negar que já na Grécia Antiga havia a ideia de educação estatal, como em Esparta, voltada para uma formação militar; mas nunca ao longo do tempo se buscou uma forma única de se formar os cidadãos para que desempenhem o mais rápido possível sua profissão. Este fenômeno global veio a acontecer durante a década de 1970, exatamente quando apareceu na economia o conceito de “capital humano”, desenvolvido na Escola de Chicago. Adam Smith já havia escrito, em 1776, que a profissionalização melhorava o desempenho econômico das nações, mas esta noção veio em um crescendo, passando pelos “recursos humanos” até chegar ao Prêmio Nobel Gary Becker, que sedimentou a ideia de transformar as capacidades intelectuais e as habilidades técnicas individuais de cada pessoa em capital. Soma-se a esta ideia a extrema necessidade de “globalização” mundial, ficando claro que a meta educacional deste grupo é um ensino centralizado e voltado tão somente para a economia.

Segundo Becker, a educação é a melhor forma de investimento que já existiu na economia até hoje. Ele calculou o custo de uma formação e os salários decorrentes desta formação, somado ao longo dos anos produtivos, e chegou a esta conclusão sobre o grande investimento que é a formação profissional dos indivíduos. Investir em si mesmo é o melhor que uma pessoa pode fazer economicamente falando e, para isso, não pode ficar apegada às coisas que a impeçam de progredir, tais como a família, os filhos, o local de nascimento ou a sua pátria.

Constatamos que, a partir de 1900, a economia veio sendo cada vez mais dominada pelo poder financeiro, que foi exigindo dos governos uma melhor preparação para o trabalho, buscando eficiência do Estado no ensino profissional. Franklin Bobbitt, professor da Universidade de Chicago, diz em seu livro The Curriculum (de 1918) que era necessário escolher se o futuro do ensino seria enriquecer a mente, refinar as sensibilidades, enaltecer a disciplina e a cultura ou seria preparar todos para uma ação prática eficiente em um mundo prático. As duas opções se apresentavam naquele início de século e algumas universidades americanas reagiam, como a de Yale, mas a força da economia foi a que dominou. O poder econômico só ganhava espaço e autonomia.

Mas o pior estava por vir: a transformação da escola em uma empresa. Ficou claro que isto já seria esperado em um mundo que foi se “economizando”: a educação também o seria. E, dentro da ideia de secundarização da sociedade, esta empresa educacional deveria receber a criança o mais cedo possível com a finalidade de afastá-la das “influências” da família, preparando-a para ser este novo cidadão global, aberto para o mundo.

Acredito que ficou provado que ocorreu de forma intencional uma secundarização da sociedade, ainda em curso, e que este objetivo passa por uma centralização dos sistemas de ensino e educacionais de todos os países. Como já disse em outro artigo, é na pluralidade que a sociedade se torna mais producente e criativa, e foi essa pluralidade que, inclusive, nos trouxe até o estágio atual do desenvolvimento humano. A homogeneidade é nivelar, segurar, impedir o desenvolvimento da civilização neste planeta. Uma educação verdadeira deve ser descentralizada e autônoma.

Claudio Titericz, coronel da reserva do Exército Brasileiro, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante de Filosofia da Educação, ex-diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith.

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