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A publicação da Resolução 2.227/2018 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que disciplina a telemedicina no país, tem causado muita controvérsia dentro da própria classe médica. Há os que digam que é um caminho sem volta, e que muitos serviços mediados por tecnologias já eram praticados informalmente durante o exercício da medicina.

Entretanto, a maioria dos doutores recebeu a nova normativa com certa desconfiança. O temor é pela perda da qualidade nos atendimentos, uma vez que o contato pessoal do médico com o paciente sempre foi premissa inafastável da medicina.

Ambos os argumentos têm suas razões de ser. Sim, a telemedicina é um caminho sem volta. O mundo digital nos engoliu e precisamos nos adaptar a ele. E é para permitir esta adaptação da medicina à era digital que o CFM editou a resolução, que entra em vigor em maio deste ano.

Sem a liberação da telemedicina, os médicos já estavam se distanciando dos seus pacientes

O Brasil é um país continental e os médicos não chegam a todos os cantos do país. Nossos jovens se comunicam com o mundo e com os colegas pela internet e por redes sociais. É assim que iniciam e mantêm relacionamentos. Então, nada mais natural para a nova geração do que consultar-se com seu médico por uma chamada de vídeo. Ora, eles já não buscam autoatendimento no Google?

O relacionamento pessoal do médico com seu paciente é imprescindível. Um estudo clássico publicado em 1975 pelo British Medical Journal, citado pela jornalista Silvia Correa em recente artigo, já concluíra que uma boa conversa entre médico e paciente, acompanhada de um bom exame físico, garantia o acerto de 80% dos diagnósticos.

Entretanto, não podemos olvidar que, nos últimos anos, mesmo sem a liberação da telemedicina, os médicos já estavam se distanciando dos seus pacientes. As consultas ficaram mais fugazes com a pressão da produção em escala imposta pela necessidade, cada vez mais crescente, de se atender por planos de saúde. E os diagnósticos passaram a ser cada vez mais delegados aos exames laboratoriais e de imagem. Assim, não será a telemedicina a culpada por causar o distanciamento do médico e do paciente.

O que é preciso, neste momento, é que a classe médica cobre do CFM e dos Conselhos Regionais uma ampla e permanente fiscalização do exercício médico por meio da telemedicina.

Leia também: Entendendo a telemedicina no Brasil (artigo de Aldemir Humberto Soares, publicado em 11 de fevereiro de 2019)

Leia também: Estamos nos iludindo com a medicina de precisão? (artigo de Liz Szabo, publicado em 13 de setembro de 2018)

Segundo o texto da resolução, a responsabilidade pelo armazenamento dos dados colhidos durante uma teleconsulta, por exemplo, é integral do médico que realizou o atendimento. Mas, como atribuir ao médico tal responsabilidade, sendo que ataques cibernéticos acontecem até nos portais de internet que deveriam ser os mais seguros do mundo?

Há muitos pontos a serem esclarecidos ainda. Mas, fato é que os conselhos devem zelar para que a telemedicina seja exercida com seriedade por meio de serviços devidamente registrados e homologados. Devem deixar claro que a norma não é um salvo-conduto para realização de consultas pelos variados serviços de chamadas de vídeo disponíveis.

A medicina deve continuar a ser exercida garantindo a segurança e a privacidade do profissional e do paciente. E quem garante que uma boa relação não possa ocorrer por vídeo? Às vezes, na tranquilidade do seu lar, o paciente se sinta mais à vontade para expor ao médico todas as suas aflições, ajudando-o a estabelecer o vínculo tão fundamental ao bom desenrolar de um tratamento médico.

Melissa Kanda é advogada, especializada em Direito Médico e Direito à Saúde.
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