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É a época menos maravilhosa do ano.

Talvez a empresa onde você trabalha organize uma confraternização de fim de ano e você se veja forçada a transferir aquela conversa fiada da copa para um bar/restaurante/salão alugado qualquer.

Talvez tenha de ir direto do trabalho para a peça ou espetáculo da escola ou, quem sabe, encontrar seu par ou seu chefe para uns drinques. Qualquer que seja o motivo, tem de fazer a transição de profissional para festeira, escolhendo roupas que mostrem que é discreta sem parecer sem graça, atraente sem ser provocante, e que está esperando uma promoção, não uma cantada. Para as mulheres, a coisa não é nada fácil.

Os homens, no geral, já têm tudo engatilhado: terno e gravata e pronto, estão vestidos para tudo, desde casamento a enterro, passando pela festa da firma que pede estilo “traje esporte” ou “social de festa”. O paletó pode até estar grande demais, a calça, muito larga, e a gravata, presa com durex; não tem problema. Pá-pum, pronto, está vestido.

Meu marido leva cinco minutos se arrumando. (“E se estiver formal demais”, conta, naquele tom de quem está compartilhando um conselho sábio e valioso, “é só tirar a gravata!”)

Os homens, no geral, já têm tudo engatilhado: terno e gravata e pronto, estão vestidos para tudo, desde casamento a enterro, passando pela festa da firma

Eu, ao contrário, penso em todos os meus vestidos, macacões, saias – longas, midis e minis –, calças capri, pantalonas tipo palazzo, tailleurs, túnicas que me deixam parecida com Bea Arthur, saltos altos que me dão a impressão de estar caminhando sobre facas, peças justas que só ficam bem com três tipos de roupa de baixo – e nem pensar em desobedecer à ordem correta – e a bota de cowgirl de couro vermelho que parecia tão linda no catálogo, mas que me deu a impressão de estar fantasiada de Cavaleiro Solitário na única vez em que a calcei em público.

Aqui está o vestido roxo que eu adorava... até minha filha me dizer que ele me deixa parecida com o Shake. Nunca mais consegui “desouvir” essas palavras. E, ali, meu pretinho, favorito absoluto, confortável, larguinho, que me cai feito uma luva e me deixa à vontade – tanto que o usei nas três últimas vezes em que tive de ir a outro lugar que não deixar as crianças na natação ou pegá-las na escola de hebraico.

A roupa pode até fazer o homem, mas geralmente tem tão pouco a dizer sobre ele que, quando Richard Nixon estava tentando provar sua honestidade à nação por meio do estilo de vida modesto que tinha, teve de apelar figurativamente para o armário da mulher, fazendo referência ao “casaco de tecido republicano respeitável” que Pat usava, em vez do vison. O nível atual do que é “apresentável” está abaixo de sola de chinelo de dedo: basta pensar em Ed Sheeran de jeans e camiseta sobreposta. Ou Bradley Cooper em “Nasce Uma Estrela”.

As roupas femininas, por outro lado, não são só uma afirmação, um testemunho, como também contam uma história longa, envolvente e complicada, abordando idade, classe, raça e sexualidade. Imagine Beyoncé, ao lado de Ed Sheeran, em um vestido de grife pink, escultural, cheio de babados e bordados. Ou Lady Gaga, depois de ser engolida pela máquina da fama no mesmo “Nasce Uma Estrela”.

Francisco Escorsim: O Natal das pequenas coisas (publicado em 19 de dezembro de 2017)

Leia também: Meu filme de Natal favorito (artigo de Jennifer Finney Boylan, publicado em 17 de dezembro de 2017)

Há motivos para que a pergunta “Como ela estava vestida?” continue sendo feita em relação às vítimas de violência sexual, embora todo mundo saiba (e uma exposição na Universidade do Kansas tem provas incontestáveis disso) que a resposta pode ser desde um vestido de formatura ao uniforme militar, da calça cargo ao vestido minúsculo de verão.

Como também há razões por que Barack Obama era convidado a um evento, colocava um terno e ia, enquanto Michelle Obama não só comparecia à ocasião, como era convocada para a discussão extraoficial pré-compromisso para falar das roupas: vai estar chovendo? É local de grama ou cascalho? Vai estar ventando? (A saia lápis é à prova até das rajadas mais fortes.) Ela abraçaria, dançaria ou faria exercícios com alguém?

“Vista-se mal e as pessoas só se lembrarão do vestido; vista-se impecavelmente e notarão a mulher”, disse Coco Chanel uma vez. Mas o que exatamente significa “impecável”? Como você vai conseguir a façanha se só um punhado de estilistas fazem roupas com sua numeração? Onde estão as peças que reconhecem a formalidade e a importância do evento, mas também permitem que você se movimente nelas?

Para mim, durante a maior parte do tempo, essas perguntas são só teóricas. Sendo escritora, passo os dias em roupas que só meu marido, meus filhos e meu cachorro vão ver.

A roupa pode até fazer o homem, mas geralmente tem tão pouco a dizer sobre ele

No início do ano que vem, porém, começarei a turnê promocional do meu livro, ou seja, uma dúzia de eventos em dez cidades ao longo de duas semanas. Durante anos, isso significava pelo menos 14 roupas diferentes; agora, se usar meu vestido preto favorito na terça, em Cincinnati, é certo que verei fotos nas redes sociais na quarta, o que significa que não posso repetir a roupa na quinta – do contrário, imagino, as pessoas vão achar que tenho um vestido só. Já apelei para todo tipo de sistema nessas ocasiões, desde despachar roupa suja para casa até viajar com um volume ridículo de peças, inclusive usando as raras tardes de folga para correr até a loja de departamentos mais próxima – tudo isso enquanto os escritores simplesmente colocam uma camisa social e saem por aí.

O que aconteceria se encarasse meus vestidos da mesma maneira que os homens veem seus ternos? Será que dá para pôr só quatro conjuntos na mala e ir alternando? Será que consigo criar um uniforme só meu?

Essa é uma opção; a outra é seguir o caminho aberto por Stacey Abrams, que disputou o governo do estado da Geórgia este ano, usando cores fortes, com decotes interessantes e colares grandes. Ela dava a impressão, pelo menos do que vi, de gostar das roupas que vestia – os vestidos, as joias –, de se sentir bem se movimentando com elas e o que diziam ao mundo a respeito de sua pessoa.

“A partir do momento em que ponho os pés em um lugar, deixo bem claro como pretendo ser tratada e tratar as pessoas. Minhas roupas, meu cabelo, até meu estilo de apresentação, tudo reflete a minha personalidade, e não o comportamento dos outros”, escreveu ela em seu livro “Minority Leader”.

Leia também: A crescente secularização do Natal (artigo de Joaquim Parron, publicado em 23 de dezembro de 2014)

Leia também: Natal, família e sociedade (artigo de André Zacharow, publicado em 23 de dezembro de 2008)

Por isso, enquanto nos apertamos nos mais diversos modelitos para os eventos de fim de ano – seja a festa da firma, o amigo secreto, a apresentação da escola dos filhos ou aquele café com as amigas –, sufocando dentro da cinta modeladora e questionando a probabilidade de usar acessórios diferentes para tentar disfarçar a repetição do pretinho querido, vale aqui fazermos algumas considerações.

Se os homens podem usar a mesma coisa trocentas vezes, por que não podemos fazer o mesmo? Se os homens têm opções de roupas legais e bem-cortadas que permitem que batam uma bolinha, segurem um bebê ou caminhem numa rua de paralelepípedos, na chuva, cadê as nossas? E, por fim, como nos sentiríamos se, ao nos olharmos no espelho, buscássemos a aprovação de uma única pessoa – nós mesmas?

Jennifer Weiner é autora do livro de memórias “Hungry Heart” e contribui para a coluna de opinião.
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