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| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A tragédia ocorrida no Largo do Paissandu, em São Paulo, no dia 1º de maio, com o incêndio e o desabamento de um prédio público, ocupado por população de baixa renda, com dezenas de vítimas, jogou luz sobre o drama da falta de moradia e do déficit habitacional no país.

Primeiramente, é importante que se diga que o conceito de déficit habitacional é muito utilizado para apontar a necessidade de construção de novas moradias pelo poder público para atender à demanda habitacional. Tal informação, quando atrelada à inadequação das moradias existentes, é capaz de nos fornecer um panorama geral do problema no Brasil.

O déficit habitacional nos proporciona uma noção mais imediata da necessidade de construção de novas moradias, enquanto a inadequação de moradias indica problemas na qualidade de vida dos moradores.

Calcula-se o déficit habitacional levando-se em consideração as habitações precárias, a coabitação familiar, o ônus excessivo com aluguel e o adensamento excessivo de domicílios alugados.

De acordo com estatísticas da Fundação João Pinheiro o déficit habitacional estimado no país correspondia, em 2015, a 6.355 milhões de domicílios

Já o cálculo da inadequação das moradias se dá por meio da análise da carência de infraestrutura urbana (energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo), adensamento excessivo de domicílios urbanos próprios, ausência de banheiro exclusivo, cobertura inadequada e inadequação fundiária urbana.

De acordo com estatísticas da Fundação João Pinheiro, que utiliza metodologia adotada oficialmente pelo Governo Federal, o déficit habitacional estimado no país correspondia, em 2015, a 6.355 milhões de domicílios, dos quais 5.572 milhões estavam localizados nas áreas urbanas e 783 mil encontravam-se na área rural.

No Paraná, em especial, o déficit habitacional total era de 290.008 domicílios, sendo 76.305 só na região metropolitana de Curitiba. Em contrapartida, eram 362.349 domicílios vagos em condições de serem ocupados no estado.

O quadro se apresenta ainda mais inquietante quando se constata que a maior parte desses imóveis vagos não cumpre com sua função social e que, por outro lado, o ordenamento jurídico pátrio prevê vários instrumentos fiscalizadores não utilizados pelo poder público, como o Peuc (Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios), o IPTU progressivo, dentre outros.

Leia também: A tragédia da caixa-preta do patrimônio da União (artigo de Gustavo Grisa, publicado em 4 de maio de 2018)

Opinião da Gazeta: Inferno urbano e oportunismo (editorial de 2 de maio de 2018)

Se por um lado, o poder público fecha os olhos para esta situação, estimulando, ainda que indiretamente, a especulação imobiliária nas regiões centrais e expulsando a população carente para a periferia das cidades, sem acesso aos instrumentos e infraestrutura urbana, os movimentos sociais ligados à luta pela moradia, duramente criticados em momentos como este, seja pelo suposto incentivo a ocupações (ou invasões como gostam de dizer os que nada sabem sobre o tema), seja pela cobrança de valores a título de aluguel dos mais necessitados, acabam por ter função imprescindível no controle do cumprimento da função social dos imóveis sob comento.

Há de se diferenciar aqui os movimentos sociais sérios, que muito importam para a manutenção do Estado Democrático de Direito, daqueles que ocupam prédios para perpetuar a desigualdade social, explorando ainda mais os que já quase nada têm.

Ainda assim, tal análise, em nada legitima a inércia e negligência do poder público que, quando não cumpre com o seu dever de fornecer moradia digna, deve, ao menos, garantir a segurança das que já existem, regulares ou não.

Não se pode exigir uma postura serena daqueles que veem diariamente o seu direito violado e não têm para onde ir

Explica-se: sendo a moradia digna direito social fundamental da população e dever do Estado, não se pode exigir uma postura serena daqueles que veem diariamente o seu direito violado e não têm para onde ir. Sobretudo, quando se deparam com, a exemplo de São Paulo, prédios enormes sem utilização ou destinação.

Em suma, está posta a equação: milhões de famílias sem domicílio adequado mais milhões de imóveis vagos ou abandonados mais ausência de atuação do poder público na formulação de política habitacional séria e adequada.

No Paraná, o Núcleo Itinerantes das Questões Fundiárias e Urbanísticas da Defensoria Pública tem trabalhado para minimizar os efeitos do cenário descrito, por meio de atuações na esfera judicial, com a defesa dos vulneráveis em demandas que veiculem conflitos fundiários e extrajudicial, na intermediação entre a população e os órgãos do poder público que tratam do tema.

Esse trabalho é realizado para que se evite que a equação acima delineada tenha como resultado a desgraça seguida do caos que pôde ser visto no Largo do Paissandu em São Paulo. Até porque não é difícil imaginar, com base na história, quem, mais uma vez, irá pagar esta conta que, mais que dignidade, engloba vidas.

Olenka Lins é defensora pública do Paraná, coordenadora do Nufurb. Vitor Eduardo Tavares de Oliveira é defensor público do Paraná auxiliar do Nufurb.
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