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A utopia fantasiada de slogans cria a ilusão de soluções mágicas em que investidores só querem se dar bem.
A utopia fantasiada de slogans cria a ilusão de soluções mágicas em que investidores só querem se dar bem.| Foto: Pixabay

Na década de 70 surgiu uma pichação nos muros de cemitérios portugueses e reproduzida no Brasil na década de 80 que dizia “viva os mortos”. Feita pelos anarquistas, a frase causava um misto de espanto e um sorriso no canto dos lábios de qualquer pessoa, independentemente de sua matriz ideológica. Talvez pela formulação antagônica ou pela proposta utópica. Todos se espantavam.

A mesma sensação é a que tenho quando ouço as formulações que estabelecem uma localização geográfica para “o mercado”. Estamos acostumados a ouvir que o mercado é a Avenida Brigadeiro Faria Lima (nome completo do endereço tão familiar dos paulistanos que, na intimidade, a chamam somente de Faria Lima). Na Faria Lima, dizem, está presente 1% do PIB brasileiro. E sai da Faria Lima, comentam, a oposição a qualquer iniciativa que seja benéfica para a maioria da população. Neste ponto, fico tão espantado como quando via a pichação utópica.

Qualquer brasileiro sensato concorda que temos de garantir melhor qualidade de vida para a população, com acesso direto a educação e saúde. Precisamos reduzir drasticamente o desemprego e gerar renda. E nada de fazer o bolo crescer para dividir depois. Emprego gera salário, cidadania e oportunidade. A melhor estratégia de curto prazo para distribuir renda é gerar empregos.

Corte rápido na visão genérica para olharmos para os fatos. Depois de dois anos de pandemia, crescimento da inflação e aumento da Selic, empresas sofrem as consequências. Andar pelas ruas hoje em qualquer cidade é ver inúmeros pontos para locação ou venda. Foram bares e lojas que fecharam as portas. Não são apenas microempresários que sucumbiram. Foram postos de trabalho.

E o fenômeno do endividamento atingiu empresas de todos os portes. De acordo com um relatório divulgado pela Intrum, maior empresa de gestão de crédito da Europa e que chegou ao Brasil em 2018, 52% das empresas brasileiras apresentaram queda nos resultados devido à pandemia, de acordo com o seu relatório de 2021. Some este dado ao fato de que para 69% das empresas os efeitos da pandemia devem durar entre seis meses e dois anos. Para 76% das empresas a recessão batia à suas portas e para 87% isso trará consequências negativas para seus negócios. Qual a solução? Para as PMEs, a solução mencionada foi cortar custos (31%) e barrar contratações (17%).

Esta situação refletiu no início de 2022. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio aponta que 74,6% das famílias brasileiras estão endividadas, maior taxa dos últimos 12 anos. Com o desemprego, os números não parecem ser animadores.

Voltando para nosso caminho natural, de colocar todo o mercado como o vilão e dizer que o mercado vive na Faria Lima, está na hora de compreender que investimentos devem deixar de ser encarados como parte do problema e incorporados como parte da solução. A geração de empregos depende de estabilidade financeira das empresas, que precisam de capital. A capacidade de investimentos públicos – por meio de incentivos diretos ou fiscais – é limitada, especialmente quando o dinheiro do Estado deve ser dirigido diretamente para quem precisa. O capital de risco das Private Equity e dos fundos de Venture Capital são fundamentais para suportar operações de empresas endividadas. Suportar operações significa que o capital será usado para a reorganização das empresas, seu crescimento e, consequentemente, geração de empregos e renda. O risco vai gerar lucro? Pode ser que sim. Mas, se as empresas investidas lucrarem, vão contratar e investir em vez de cortar custos. Emprego é fruto de capacidade de investimento. Mercado interno é resultado de emprego e renda.

A utopia fantasiada de slogans cria a ilusão de soluções mágicas em que investidores só querem se dar bem. Fundos Private Equity e de Venture Capital querem o lucro, mas para isso dependem do sucesso das empresas. É capital produtivo. Só ganham com o crescimento das empresas investidas. Ao fim, só ganham com o mercado funcionando, com empregos sendo gerados e a renda aumentando. Do contrário, sem investidores, as empresas sucumbem. Os empregos morrem. E nenhuma pichação será capaz de fazer com que os mortos vivam.

Gilberto Zancopé é economista, ex-presidente da Montana Agrícola e da Wap, onde permanece como presidente do conselho, e criador do Fundo Order VC.

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