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Fachada do Congresso Nacional, a sede das duas Casas do Poder Legislativo brasileiro, durante o amanhecer.  As cúpulas abrigam os plenários da Câmara dos Deputados (côncava) e do Senado Federal (convexa), enquanto que nas duas torres – as mais altas de Brasília, com 100 metros – funcionam as áreas administrativas e técnicas que dão suporte ao trabalho legislativo diário das duas instituições.  Obra do arquiteto Oscar Niemeyer.   Foto: Pedro França/Agência Senado
Congresso Nacional, em Brasília| Foto: Pedro França/Agência Senado

Diz-se que a verdade é a primeira vítima na guerra. Na epidemia é a lucidez. A urgência no atendimento para barrar a epidemia e cuidar da saúde das pessoas faz esquecer que a vida continuará depois. A insensatez está levando ao debate sobre a importância e não sobre a urgência.

Respirar e comer são igualmente importantes, mas o oxigênio é mais urgente. O sensato é tomar as medidas urgentes para salvar as vidas hoje, cuidando da respiração das pessoas, sem esquecer de pensar na recuperação da economia depois.

O vírus está mostrando a falta de solidariedade dos que não pensam na urgência da epidemia e a insensatez de não levar em conta o futuro depois dela. Falamos agora da necessidade de trabalho, mas nunca tivemos preocupação com pleno emprego. Dizemos que é preciso cuidar da higiene para evitar a transmissão do vírus, mas deixamos 35 milhões de pessoas sem água em casa para lavar as mãos e 100 milhões sem tratamento de esgoto.

O vírus está nos indicando que o obscurantismo do atual presidente tem características de genocídio. Mas lembra que em gestões anteriores não fizemos o suficiente para impedir dezenas de milhares de mortos por malária, dengue e sarampo.

O vírus nos revela ainda que ele foi trazido do exterior por avião para os bairros ricos e nos pergunta se a epidemia seria enfrentada com o mesmo rigor se tivesse chegado de ônibus, direto para os bairros pobres.

O vírus anuncia que para salvar nossas vidas estamos em quarentena, sobrevivendo à síndrome da abstinência ao vício do consumismo. Ele nos ensina que podemos ver o mundo, estudar e trabalhar sem sair de casa. E que a solidariedade com os outros é necessária para a sobrevivência de cada um, que a saúde de cada um não será plenamente segura se não cuidarmos da saúde pública.

O vírus está confirmando que além de levarmos a sério a ciência médica precisamos respeitar a ciência econômica e sobretudo a velha aritmética. Que neste momento devemos gastar o que for preciso para atender às necessidade de doentes, trabalhadores desempregados e empresários falidos, mas que não devemos deixar a conta ser paga depois  pelos pobres com a inflação, nem pelos jovens que pagarão o aumento da dívida pública. A solidariedade também precisa ocorrer na hora de pagar a conta.

O vírus tem falado que, além da quarentena, precisamos de uma revolução no nosso comportamento e nas nossas prioridades. E nos grita que é preciso mudar o velho padrão do progresso baseado na voracidade do consumo e na ganância do lucro. Mas ele sussurra o medo de que, passada a epidemia, voltaremos aos velhos costumes de antes: o desprezo ao saneamento, à educação de base e à saúde pública, e a preferência pela ilusão inflacionária, obrigando os pobres a pagarem a conta com a carestia.

Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.

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