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A recente retomada da discussão sobre o consumo de carne de cachorro em pastelarias cariocas traz enfrentamentos sobre o quanto inseguros estamos em relação à nossa dieta. Os alimentos inseguros comprometem a dignidade humana ao violar o direito humano à qualidade e quantidade diárias de acesso à alimentação segura.

O diálogo aqui não passa pela moralidade, por não haver compreensão e informação aos sujeitos que consumiram aqueles pastéis, mas é pautada na insegurança que temos enquanto consumidores para comer, e nossa autonomia em relação às escolhas alimentares.

O alimento que se encontra embalado e com rótulo na prateleira do supermercado também nos coloca vulneráveis perante situações dramáticas de interpretações de rótulos, quantidade de nutrientes por porções, além da necessidade acima de sódio, açúcar e tantos outros componentes que nem sabemos o que são. Seguros estaremos quando conseguirmos decifrar rótulos alimentares, e que essa informação possa ser utilizada para cada porção consumida e preparada na nossa dieta diária. Seguros estaremos quando os agrotóxicos não estiverem presentes em todos os alimentos que consideramos saudáveis para nossa vida. Seguros estaremos quando conseguirmos digerir a comida em um tempo maior que cinco minutos por refeição. Ou quando conseguirmos comer um alimento cujo nome traga recordações de uma infância saudável, algo que a maioria das crianças de hoje não terá em sua memória gustativa. Mas estamos totalmente vulneráveis ao que encontramos nas prateleiras de supermercados, nas feiras, nos restaurantes, lanchonetes e até mesmo em casa. É um sistema prisional, quase sufocado e com soluções que estão em pequenas alternativas sustentáveis.

Estamos totalmente vulneráveis ao que encontramos nas prateleiras de supermercados, nas feiras, nos restaurantes, lanchonetes e até mesmo em casa

Hoje costumo pensar se há alimento na nossa comida. Tudo é processado, minimamente ou não; adiciona-se sal, açúcar e gorduras – além das necessidades diárias para consumo humano. Não apreciamos mais o gosto da comida ou do alimento. Estamos presos ao sabor doce e salgado daquele prato, que saboreamos às pressas e que satisfaz diariamente um contingente a mais das nossas necessidades alimentares (mesmo para aqueles que conseguem se dedicar ao exercício físico). Quem tem menos necessidade é quem tem mais acesso aos alimentos. E este acesso é um dilema pós-malthusiano. A prevista progressão em quantidade não veio associada à progressão em qualidade. Precisamos ser mais autônomos nas nossas intenções de consumo alimentar. Mas como podemos nos empoderar deste direito se não conseguimos saber o que há no recheio de um simples pastel, ou de um bolo, ou de copo de suco? Se está nos alimentando ou nos matando, seja a morte moral ou a física?

O que nos move na decisão de comer fora de casa ou levar a comida de fora para dentro de casa tem a ver com a medida em que a ética e a moral nos hábitos sociais não sejam dissociadas do individual. Em que medida a responsabilidade da instituição fornecedora do alimento e dos órgãos competentes pela sua fiscalização sob ordem de segurança alimentar nos protege, ou nos oferece padrões de consumo humano e cultural?

Precisamos, sim, de um alimento mais limpo, justo, saudável e seguro. Escolhas pessoais seguras são a condição verdadeira que nos liberta para uma vida digna. O que nos falta para assumir essa responsabilidade individual para comermos e vivermos livres e saudáveis?

Caroline Filla Rosaneli, nutricionista, mestre em Alimentos e Nutrição e doutora em Ciências da Saúde, é docente do mestrado em Bioética e da graduação em Nutrição da PUCPR.
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