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Aborto e STF: estratégias atuais
| Foto: Pixabay

No último dia 8 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu na sua pauta de votação virtual a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.581 (ADI 5.581) – a votação virtual foi marcada para esta sexta-feira, dia 18 de outubro. Entre outras petições, o que estava em jogo no juízo desta ação era a aprovação do aborto em casos de infecção pelo zika vírus, sendo que algumas das petições de aborto incluídas na ADI 5.581 não exigem nem mesmo um indício de infecção da criança.

Desde esta recolocação da ADI 5.581 na pauta de votação, houve uma certa reação de parte da opinião pública contrária ao aborto e, nesta segunda-feira, a ação foi novamente retirada da pauta de votação, repetindo o que acontecera em maio deste ano, quando a mesma ação havia sido colocada na pauta, mas removida alguns dias antes da data proposta.

Podemos considerar esta remoção da pauta como uma vitória? Em certa medida sim, pois evitamos uma aprovação do aborto de crianças inocentes. É necessário, porém, olhar com horizontes mais amplos, dentro da estratégia que está sendo construída.

Essas sucessivas inclusões e retiradas da ADI 5.581 na pauta de votação estão sendo utilizadas apenas como termômetro da opinião pública

Se por um lado parece cientificamente certo que o zika vírus é causa de alguns problemas congênitos no primeiro trimestre da gravidez, também é bastante evidente que existem muito mais lacunas do que certezas sobre toda esta relação. É evidente que houve um grande número de crianças afetadas no Nordeste do Brasil, mas esses números não foram os mesmos nas demais regiões do Brasil e do mundo também afetadas pela mesma cepa viral. Isso leva a uma grande dúvida sobre os cofatores necessários para que o zika vírus tenha algum efeito teratógeno. Além do mais, sabemos – cientificamente – que este efeito teratógeno se dá em um número muito reduzido de crianças.

Além de todas essas incertezas, as próprias petições da ADI 5.581 com relação ao aborto são um conjunto de aberrações jurídicas e científicas, muito dificilmente passíveis de defesa até mesmo sob o ponto de vista lógico. Sem entrar em detalhes, mas apenas a modo de exemplo: para pedir a despenalização do crime do aborto em casos de infecção por zika vírus, a ADI 5.581 compara – juridicamente – o sofrimento de uma mulher infectada pelo vírus com a tortura (se é permitido cometer um crime para evitar a tortura, seria possível cometer o aborto para evitar o sofrimento psíquico causado por uma gravidez com infecção pelo vírus). Do mesmo modo juridicamente ilógico, define que a incompetência do Estado em administrar a infecção pelo vírus seria equiparável – também juridicamente – a uma violação, sendo assim permitido o aborto. Certamente estas argumentações são bastante pobres em todos os sentidos.

Sendo assim, colocar a ADI 5.581 em votação teria apenas dois caminhos possíveis. Pela aberração do texto jurídico, o caminho mais lógico é que as petições abortistas fossem negadas. Como nem sempre o caminho lógico é seguido, se estas petições fossem aprovadas, haveria uma forte reação da opinião pública contrária ao aborto, mas profundamente fundamentada em sólidas argumentações científicas e jurídicas. Sim, o aborto já teria sido aprovado e o mal já teria sido realizado, condenando crianças à morte. Porém, a reação poderia ser tão grande que inviabilizaria até mesmo o julgamento de uma ação muito mais importante, que é a ADPF 442, apresentada ao STF pelo PSol e que solicita não apenas o aborto em alguns casos, mas a aprovação total do aborto.

Essas sucessivas inclusões e retiradas da ADI 5.581 na pauta de votação estão sendo utilizadas apenas como termômetro da opinião pública – incluo aqui as pressões da comunidade científica e jurídica – com relação ao aborto. É possível que algum ministro acabe colocando a ADI 5.581 em votação antes da ADPF 442, mas a intenção estratégica é que isso não ocorra. Preferem concentrar a reação popular contrária a uma aprovação ao aborto para um único momento, dentro de uma aprovação total, a permitir uma reação popular a uma “mera” aprovação parcial e sem fundamentação suficiente.

Por essa razão, celebremos, sim, a remoção da ADI 5.581 da pauta de votação, mas tenhamos os olhos abertos para enxergar mais além.

Além de tudo isso, alguns grupos de defesa da vida têm apresentado como válida e necessária a estratégia de votação de projetos de lei que defendam positivamente a vida desde a concepção, como uma espécie de “blindagem” da defesa da vida. Estou convencido de que, dentro da composição e compreensão atual do STF – profundamente legislativo, adepto do ativismo judicial inclusive em questões claramente legisladas –, esta estratégia seria um grande erro. Aprovada tal lei, daríamos passo a uma ação de inconstitucionalidade no STF e, querendo fazer um grande bem, poderíamos dar abertura à aprovação do aborto. O STF, apoiando-se em interpretações de instituições internacionais como a Organização Mundial da Saúde (órgão da ONU), poderia considerar uma lei deste tipo como inconstitucional por não respeitar um “direito humano fundamental” – e assim, a partir de uma lei que parece ser boa, teríamos a aprovação definitiva do aborto no Brasil.

Enfim, rezemos muito e trabalhemos com muita astúcia para que não somente nas intenções, mas também com resultados práticos, possamos fazer o bem.

Hélio Luciano de Oliveira, graduado em Odontologia, Filosofia e Teologia, mestre em Teologia Moral e Bioética e doutor em Teologia Moral, é sacerdote da Arquidiocese de Florianópolis e professor de Teologia Moral na Universidade de Navarra (Espanha).

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