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Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, durante entrevista no estúdio do jornal Gazeta do Povo
Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, durante entrevista no estúdio do jornal Gazeta do Povo| Foto: Gazeta do Povo

Como preceitua a Terceira Lei de Newton, a toda ação corresponde uma reação de igual intensidade, mas no sentido oposto. Essa lei também vale no mundo do Direito, principalmente no enfrentamento à corrupção. Ao aplicarem a lei e romperem a impunidade que tradicionalmente prevalece no Brasil nos crimes de poderosos, as forças-tarefa da Lava Jato incomodaram e, nessa exata medida, passaram a sofrer represálias. Uma das estratégias de reação dos réus e condenados foi difundir, com base em conjecturas ou mentiras, o discurso de que abusos teriam sido praticados pela Lava Jato.

Ocorre que os alegados abusos jamais foram verificados pela Justiça ou por órgãos correcionais por uma simples razão: eles não aconteceram. A estratégia de torcer e retorcer uma mentira, ou repeti-la uma centena de vezes, pode até funcionar para alguns, principalmente para aqueles que desejam ser enganados, mas não a transforma numa verdade.

Com o passar do tempo, os detratores da Lava Jato à esquerda, à direita e ao centro perceberam que, enquanto inimigos dos fatos, teriam mais chances de êxito se deixassem suas diferenças de lado e passassem a conjuntamente atacar a operação propalando as mesmas mentiras. Enquanto inimiga declarada de uns, inimiga oculta de outros, a Lava Jato passou a servir como uma espécie de fator agregador da velha política ou denominador comum de muitas pessoas, entre as quais réus ou investigados na operação, que almejam a volta dos tempos tranquilos da política fisiologista e da corrupção sistêmica.

Como não têm forças para atacar os resultados da operação, os inimigos da Lava Jato atacam aqueles que trabalharam arduamente para produzi-los

O que eles querem? Anular a operação, de preferência desde o início, e as condenações; e punir e afastar seus investigadores e julgadores, impedindo-os de trabalhar. Como não têm forças para atacar os resultados da operação, atacam aqueles que trabalharam arduamente para produzi-los, fazendo-o mais recentemente por intermédio de ataques coordenados e direcionados. No momento, até mesmo pelo que simboliza na condição de procurador natural e coordenador da primeira força-tarefa Lava Jato, no Paraná, o alvo é Deltan Dallagnol.

A ameaça à independência funcional de Deltan Dallangol apresenta-se hoje na forma de um pedido ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para afastá-lo compulsoriamente da Lava Jato em Curitiba sob o pretexto de que essa abdução seria justificada pelo “interesse público”. O pedido, que será apreciado no dia 18 de agosto, está “fundamentado” em boatos e até mesmo reclamações que já foram arquivadas, porque os atos foram considerados legítimos.

O CNMP deliberará se Dallagnol poderá continuar trabalhando na Lava Jato, se sua garantia de inamovibilidade será preservada. A verdadeira questão a ser decidida, contudo, que extrapola o caso do coordenador da Lava Jato e é muito mais importante, diz respeito à preservação ou não do desenho institucional de um Ministério Público forte e independente feito pelo constituinte de 1988.

Não houvesse a proteção da independência funcional, da inamovibilidade e da liberdade de expressão dos membros do Ministério Público, certamente não haveria efetivo combate à corrupção de poderosos, não haveria força-tarefa da Lava Jato e não haveria o Ministério Público que a sociedade brasileira conhece hoje. A estratégia dos grandes criminosos, num ambiente sem tais garantias, certamente seria a de incomodar para não ser incomodado, e funcionaria.

No dia em que me tornei procurador da República, dia de São Jorge, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse: “Ser Ministério Público exige trabalho árduo e constante, bem como sacrifícios pessoais. A despeito das dificuldades e pedras no caminho, tenho certeza de que ainda brilhará em seus olhos o orgulho de ser procurador da República”. Depois de oito anos no MPF, seis dos quais tendo o privilégio de trabalhar na Lava Jato, posso dizer com segurança que Gurgel tinha razão. As dificuldades para enfrentar a macrocorrupção no Brasil são grandes, o trabalho é árduo e exige enormes sacrifícios pessoais, mas o orgulho de ser Ministério Público e de poder fazê-lo é maior ainda. O brilho nos olhos permanecerá enquanto pudermos fazê-lo.

Roberson Pozzobon é procurador da República.

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