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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

O principal argumento que tem norteado as discussões sobre a participação do Brasil no Acordo de Paris é a necessidade de preservar, acima de tudo, a soberania nacional.

No jargão das negociações internacionais, em qualquer área, soberania nacional é um requisito inato à participação dos países, condição sine qua non para que tratados internacionais possam ser acordados e gerem efeitos para suas partes.

O Acordo de Paris, aprovado em 2015 no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), baseia-se nas contribuições que os países propuseram para conter o aumento da concentração de gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera, para fomentar o desenvolvimento e transferência de tecnologias, financiamento, adaptação dentre outras medidas para conter o aquecimento global.

Ainda em 2011, os países decidiram que o futuro acordo seria construído com base nas ações e necessidades inerentes a cada país. Ao invés de impor metas para depois avaliar como cumpri-las, enfoque do Protocolo de Quioto, preferiu-se priorizar as possibilidades de cada país.

A escolha dos Estados Unidos não impede o avanço das energias renováveis

Essa foi a solução encontrada para que todos os países pudessem participar. Neste sentido, vale lembrar que as contribuições nacionalmente determinadas (conhecidas em inglês como NDCs) se baseiam no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, que resguarda a soberania de cada país.

Esse princípio é central na convenção e também no acordo de paris, na medida em que os países desenvolvidos devem contribuir de forma mais significativa, muito embora todos devam participar de acordo com suas capacidades.

Na sua NDC, o Brasil propôs reduzir emissões em 37% e 43% em 2025 e 2030, e indicou uma série de medidas que podem ser consideradas para atingir essa meta: acabar com o desmatamento ilegal e compensar emissões de desmatamento legal; implementar o Código Florestal, o que permitirá mostrar ao mundo a conservação de vegetação dentro das áreas privadas, bem como restaurar florestas para usos múltiplos.

Além disso, incrementar a produção e uso de diferentes biocombustíveis, aprimorar os incentivos para as práticas agropecuárias de baixo carbono, que permitirão produzir mais, aumentar a produtividade, adaptar os sistemas produtivos às mudanças do clima e reduzir emissões, bem como fomentar a produção de energias renováveis.

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Pode dizer, por exemplo, que restaurar pastagens degradadas é fundamental para permitir o crescimento da pecuária, que ainda tem um potencial de produtividade enorme a ser alcançado. No mesmo sentido, zerar o desmatamento ilegal significará gerir de forma estratégica as áreas públicas, permitindo coibir crimes de diversas naturezas.

Vale lembrar que de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, quase 70% do desmatamento na Amazônia em 2016 ocorreu em áreas de gestão pública e existem 65 milhões de hectares de terras públicas não destinadas.

Fomentar tecnologias e crédito mais barato para práticas que permitam ganhos de produtividade aliados a métodos que permitam maior resiliência dos sistemas produtivos é estratégico para impulsionar a agropecuária mais pujante do mundo. Sem isso, o Brasil deixará, ao longo do tempo, de ser o maior player global em segurança alimentar e os produtores sofrerão com a falta de acesso a tecnologias e recursos.

As NDCs brasileiras não ameaçam ou interferem na soberania nacional. É crucial refletir sobre as ações não como obrigações em decorrência do Acordo de Paris, mas sim, como desafios inatos ao desenvolvimento do Brasil.

Quase 70% do desmatamento na Amazônia em 2016 ocorreu em áreas de gestão pública

Muito embora os Estados Unidos tenham escolhido sair do acordo, o que na prática só ocorrerá formalmente em setembro de 2020, isso não implica que a agenda de energias renováveis e de adaptação no setor agropecuário tenham sido abandonadas.

Pelo contrário, a nova Farm Bill que está prestes a ser sancionada conterá mais incentivos para os agricultores produzirem de maneira mais eficiente, envolvendo as preocupações dos efeitos climáticos, bem como para intensificar as práticas de conservação de vegetação nativa.

A escolha dos Estados Unidos não impede o avanço das energias renováveis, bem como a liderança de alguns Estados na agenda, embora tenha um impacto na perspectiva das relações internacionais, considerando que o país é 2.º maior emissor de GEEs. No futuro breve, não poderão, por exemplo, participar do futuro mercado de carbono.

A agenda de mudança do clima é estratégica para qualquer país, especialmente para grandes players globais. Seja pelo viés de relações internacionais, seja pela arena econômica ou mesmo pela capacidade de criar e vender tecnologias, bem como captar recursos para fomentar inovação, produção sustentável e conservação.

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As regras do futuro Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável, o novo mercado de carbono, precisarão ser definidas até 2020. Da mesma forma que questões relativas a captação de recursos para gerir as florestas e investir em tecnologias mais eficientes. Ademais, as regras de como reportar o cumprimento das NDCs nacionais.

Vale, por fim, desmistificar que o Acordo de Paris, como a imensa maioria dos tratados internacionais, não possuem um tribunal que julga os países e aplica penalidades, como obrigações de comprar créditos de carbono ou outras. Não há sanções pelo descumprimento dos compromissos assumidos pelos países.

Deve-se salientar, por fim, que saber jogar na arena global de mudança do clima é muito mais uma oportunidade do que uma ameaça para um país como o Brasil, que já lidera a agenda e depende muito de parceiros internacionais para relações comerciais e de cooperação.

Para tanto, contudo, é preciso lapidar o discurso, definir as estratégias de negociação e, acima de tudo, criar as políticas para pôr em prática as ações necessárias para impulsionar as NDCs que serão essenciais para o desenvolvimento sustentável do país, bem como negociar os detalhes do Acordo de Paris que permitirão ao Brasil se tornar um líder global na agenda.

Rodrigo C. A. Lima é advogado e sócio-diretor da Agroicone.
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