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| Foto: Lula Marques/Agência PT

A imparcialidade deve ser um predicado necessário à garantia da Justiça e do Estado Democrático de Direito. A figura do magistrado e do tribunal imparciais, dotados de autoridade para decidir litígios com distanciamento em relação aos litigantes, é tema recorrente quando se fala em jurisdição. Pode soar estranho que juízes se reúnam, em eventos sociais ou políticos, com pessoas que possam se submeter diretamente ao seu julgamento.

Recentemente, esse tema despertou acalorada discussão nos Estados Unidos, quando a mídia noticiou que a agenda do presidente Donald Trump previra a promoção de um jantar com ministros (justices) da Suprema Corte norte-americana. A notícia se alastrou rapidamente nas redes sociais e vários norte-americanos manifestaram indignação com o fato de justices se encontrarem com “um potencial litigante”, quer na qualidade de presidente dos Estados Unidos, quer como influente empresário. O senador Brian Schatz indagou o porquê de os justices concordarem com tal evento. Para o parlamentar, “não há razão legítima para se jantar com um litigante”.

Participações recorrentes de magistrados em consultas e encontros oficiosos com potenciais litigantes infirmam sua imparcialidade

Por outro lado, alguns renomados professores afirmaram, contrariando o senso comum, que jantares presidenciais com justices não são incomuns, pelo menos desde o século 19. Segundo eles, Roosevelt, Carter, George Bush e Obama promoveram jantares com membros da Suprema Corte.

Todavia, a negativa repercussão do encontro presidencial com os justices causou mal-estar, resultando no adiamento para data futura, sob pretexto de que o presidente Trump teria uma série de desgastantes compromissos na semana em que o evento ocorreria. Assistentes de Trump afirmaram ainda que, embora o jantar houvesse sido programado pela Casa Branca, nenhum convite havia sido oficialmente formalizado.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, a partir do caso Piersack vs Bélgica, teve a oportunidade de pontuar, em várias oportunidades, que “todo juiz em relação ao qual possa haver razões legítimas para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processo. O que está em jogo é a confiança que os tribunais devem inspirar nos cidadãos em uma sociedade democrática”. É certo que aquele tribunal internacional pautou-se sob o aspecto objetivo da imparcialidade, visto que não deve pairar qualquer dúvida razoável sobre a isenção do órgão julgador. Isso porque a confiança dos cidadãos na neutralidade do Poder Judiciário não pode ser frustrada.

Lembra desse caso? Encontro clandestino (editorial de 15 de julho de 2015) 

No Brasil, a Lei Orgânica da Magistratura estabelece que o juiz deverá manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, ao passo que o manual de boas práticas dos juízes do Reino Unido recomenda que não participem de atividades pessoais que possam provocar afastamento de determinado julgamento pelo surgimento de dúvida razoável sobre sua parcialidade.

Enquanto nos Estados Unidos transparentes encontros institucionais são causa de intensos debates, ensejando inclusive cancelamento de jantar oficial, aqui no Brasil, talvez pela tênue pressão social, apesar dos reconhecidos laços sociais que ligam membros do Judiciário a potenciais litigantes, notadamente políticos, declarações e reconhecimento de suspeição não são práticas frequentes. Participações recorrentes de magistrados em consultas e encontros oficiosos com potenciais litigantes infirmam sua imparcialidade, fazendo pairar dúvidas sobre a integridade dos implicados e sobre a legitimidade de suas decisões.

Antonio Sepúlveda é professor e doutorando em Direito pela Uerj. Igor de Lazari é mestrando em Direito pela UFRJ. Sérgio Dias é professor e mestre em Direito pela UFRJ. Todos eles são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – PPGD/UFRJ (CNPq/Faperj/Ministério da Justiça)
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