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A combinação das piores estradas com as maiores tarifas é fato que distingue o Paraná. Os carreadores asfaltados permanecem os mesmos depois de quase duas décadas de cobrança do pedágio. Percorrê-los é calvário. A que(m) serviu essa riqueza extraída dos paranaenses?

A construção e manutenção das estradas era feita pelo poder público com recursos oriundos dos tributos. Ao conceder a particulares a exploração mediante o auferimento de pedágio, a administração pública desonerou-se dessa despesa. O razoável seria que tivesse havido a correlata redução da carga tributária. Contudo, o peso dos tributos quase dobrou nesse período. Além disso, as estradas passaram a dar lucro ao governo porque ele recebe pelas concessões e cobra impostos sobre a tarifa do pedágio. Deixou de gastar e passou a ganhar. Para onde vai o dinheiro que sobrou no erário?

Os contratos administrativos rudimentares de 1997, renegociados toscamente em 2007, são lesa-povo. Se houve dolo ou culpa dos governantes de então, o tempo e as eleições já fizeram precluir a discussão. Assim, melhor olhar para a frente e assegurar que na nova licitação, em 2022, as regras para concessão das rodovias no território do Paraná sejam, no mínimo, da qualidade das de São Paulo. Insta considerar que é mais rápido e seguro viajar de Londrina à capital paulista do que a Curitiba. De certa forma, estamos ainda no tempo da Estrada do Cerne.

Os contratos administrativos rudimentares de 1997, renegociados toscamente em 2007, são lesa-povo

Com o intento de contribuir para o debate, sugiro alguns parâmetros financeiros e operacionais que devem ser exigidos dos licitantes: redução de sinistros em geral (colisões, atropelamentos, capotamentos) a ser alcançada em etapas ao longo da vigência dos contratos; redução da letalidade de cada trecho licitado; aumento da velocidade média para que as estradas cumpram a função de trânsito ligeiro e fluído; eliminação do lixo na faixa de domínio; ajardinamento da faixa de domínio; publicidade – inteligível ao usuário – do montante arrecadado a cada mês, tributos pagos, especificação dos investimentos, taxa interna de retorno vigente no período e apropriação do lucro, com identificação dos beneficiários; definição de capacidade média máxima de cada trecho e subtrecho licitado, com níveis intermediários verde, amarelo e vermelho: os níveis amarelo e vermelho devem ter delimitação temporal permitida e, se a taxa de ocupação da rodovia se mantiver frequentemente alta, o concessionário deve cumprir obrigação de expansão das vias para que a oferta seja adequada à demanda; e publicidade – inteligível ao usuário – da taxa de ocupação da rodovia associada à sinistralidade, letalidade e velocidade média no período já cumprido da concessão, para que ele possa planejar a época da viagem que julgar adequada em face dos dados.

Além disso, a taxa interna de retorno deve ser variável entre marcos de mínimo e máximo. O lucro sobre mil veículos é diferente daquele sobre 10 mil. A variação de custos é aritmética, mas a rentabilidade, geométrica. O decréscimo da ocupação da rodovia deve levar o lucro ao máximo; o incremento, ao mínimo. A parcela do lucro não apropriável pelo concessionário deve ser investida no melhoramento da rodovia. E o contrato deve preceituar o tratamento das inovações tecnológicas, exigindo nova licitação para que elas gerem renda ou impondo a oferta sem novos custos. A longa duração do vínculo contratual exige previsão dessa possibilidade. A exemplo: a cobrança automática, com os carros em movimento, não foi prevista em 1997 e hoje, sem que houvesse nova licitação, gera receita para as concessionárias e custo para os usuários.

Lucrar não é pecaminoso. O lucro motiva o empreendimento, a ação criadora de riqueza em situação de mercado perfeito, quando existe competição real, efetiva. Porém, se há monopólio ou oligopólio (falhas naturais ou artificiais de mercado), insta sobrelevar o interesse público acima do fausto dos capitalistas.

Vinte anos de ágio bastam. O Paraná precisa se dar ao prazer de se desenvolver, de ter sistema viário compatível com a energia produtiva do seu povo.

Rosane Kolotelo é advogada e professora de Direito Econômico.
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