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Agruras e desafio em Teerã
| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Para se movimentar em Teerã, nada melhor que uma moto. É barata e rápida, e dá para driblar as leis do trânsito engarrafado como você bem entender. Ela é a vida desta cidade de quinze milhões de habitantes, tão incômoda, mas tão necessária. Tento cultivar uma relação especial com os mecânicos de motos, porque, sem eles, a capital não anda. E, quando dizem alguma coisa, eu ouço.

Farzad, que cuida da minha e trabalha em uma mecânica minúscula no bairro, reclamou que o preço do óleo de motor triplicou em maio. "Os clientes acham que estou querendo explorar; então digo que, se quiserem, podem ir ao bazar e comprar por conta própria por lá e eu só troco", desabafa. Em uma visita que fiz a Erbil, no Curdistão iraquiano, comprei uma bota de caminhada usada para ele por cerca de US$ 10. Quando lhe entreguei o presente, seus olhos brilharam. Se a tivesse comprado no Irã, teria custado cerca de US$ 100, ou o equivalente ao salário mensal de um operário.

Na manhã de vinte de junho, o Irã abateu um drone de vigilância norte-americano. Os EUA alegaram que o equipamento estava em espaço aéreo internacional; os iranianos divulgaram suas coordenadas, o que o colocava em território nacional. Naquela mesma noite, Trump aprovou ataques retaliatórios, mas desistiu no último minuto. Os especialistas já temem uma possibilidade de guerra cada vez mais real; em Teerã, ela não é novidade para ninguém.

Moro na Tir Street 30, na região sul, a parte mais agitada da cidade. O bazar labiríntico fica a uma curta caminhada, como também os ministérios federais, bibliotecas, igrejas, uma sinagoga e uma escola de ensino médio zoroastriana. Essa é a Teerã que atrairia os turistas, mas há poucos. O impacto devastador das sanções norte-americanas está por toda parte: as lojas estão quase sempre vazias; os restaurantes, quase todos às moscas. Na Avenida Hafez, um silêncio ensurdecedor toma conta do complexo comercial especializado em celulares.

A política de "pressão máxima" do governo Trump sobre o Irã também quer jogar o país na água para fazê-lo recobrar a razão

Um dos poucos estabelecimentos na minha rua que ainda atrai clientes é a lojinha do Abbasi, um oficial militar aposentado que conserta eletrodomésticos, porque ninguém tem condições de comprar nada novo. "Fala se isso já não é clima de guerra", questiona, sem muito rancor. Muitos iranianos se perguntam o mesmo hoje em dia.

Desde que o governo dos EUA voltou a impor sanções, no ano passado, as exportações de petróleo iranianas caíram para menos da metade, a moeda se desvalorizou mais de 60% em relação ao dólar e a inflação bateu em 37% anuais; a economia encolheu 4% em 2018 e deve se contrair outros seis este ano.

No fim, as sanções afetam mesmo a vida das pessoas: nos medicamentos imunossupressores necessários – para o parente que fez transplante de fígado –, cujos preços dispararam e praticamente desapareceram do mercado; para a pintora relativamente famosa que pratica sua arte há 30 anos e tem de parar por causa dos preços proibitivos do material; no êxodo dos jovens profissionais que, desempregados, estão deixando a capital para tentar a sorte em cidades menores e menos caras. O preço do papel quintuplicou; o das autopeças, quadruplicou. A maioria das frutas se tornou artigo de luxo, muitas famílias não têm condições de comprar carne e as fábricas em outras províncias estão fechando as portas.

Quando um país como o Irã – com a quarta maior reserva comprovada de petróleo do mundo e uma mão de obra qualificada – de repente se vê pobre, o sentimento que paira no ar é muito parecido com o constrangimento. Às vezes, as reações são cômicas: "Promoção exclusiva!", grita o camelô perto da Praça Vanak, na região norte de Teerã. "Senhoras e senhoritas, decidi baixar os preços das blusas por causa da má-fé de Trump. Nem ele nem eu queremos lhes agradar, só esvaziar suas carteiras!"

A vida aqui seria insuportável sem a piada ocasional. A profunda consciência do "poderia ter sido" está no ar e dói. Eu me lembro daquela noite de verão histórica, em 2015, quando o então presidente Hassan Rouhani anunciou o acordo nuclear com Barack Obama. Como milhares de outras pessoas, também fui às ruas para comemorar.

Achávamos que isso abriria um novo capítulo no relacionamento do Irã com o mundo. Depois do afrouxamento das sanções, a economia iraniana progrediu significativamente: de acordo com o banco central, o crescimento foi de 12,5% entre março de 2016 e março de 2017. Grandes empresas europeias como a Peugeot já se preparavam para fazer grandes investimentos. Quatro anos depois, as esperanças e planos de um país inteiro que queria uma chance foram destruídas – e o Irã só se vê a ponto de travar uma guerra com os EUA depois de assinar um contrato nuclear que não desrespeitou.

Leia também: A corrida nuclear do Irã (editorial de 28 de junho de 2019)

Leia também: O Islã é compatível com a modernidade? (artigo de Ali Zoghbi, publicado em 1.º de dezembro de 2017)

Sendo contra ou a favor da República Islâmica, quando a Guarda Revolucionária Iraniana, maior força militar do país, é rotulada de organização terrorista, os canais comerciais entre o seu país e os outros estão bloqueados e seu principal produto de exportação, o petróleo, está sendo boicotado, claro que o iraniano médio está desculpado por achar que a guerra é só uma questão de tempo. A última vez que houve um choque de vontades entre o Irã e outra nação foi na década de 80, com a invasão de Saddam Hussein. Os iranianos, completamente dependentes da tecnologia e de equipamentos militares ocidentais antes da revolução, intensificaram seus esforços durante e depois da guerra para desenvolver autonomia.

A geração que está no poder governamental e militar há 30 anos amadureceu durante o período mais sombrio da guerra Irã-Iraque, adquirindo, graças aos equipamentos bélicos desiguais, experiência e habilidade com mísseis, drones e tecnologia cibernética, porque não viu nenhuma outra forma de combater os EUA no longo prazo. Depois que Trump abandonou o acordo nuclear, os políticos iranianos se convenceram de que sua estratégia – de capacitação militar autossuficiente e adequação estratégica na região – sempre esteve certa.

Sadi Shirazi, o grande escritor persa do século 13, contou a lenda do rei que se encontrava no mar; um membro de sua comitiva que nunca tinha visto tanta água não parava de se lamuriar e pedir para voltar para terra firme. O assessor real chegou a uma solução: jogar o homem que não sabia nadar na água para aprender rapidamente as benesses de um navio seguro.

A política de "pressão máxima" do governo Trump sobre o Irã também quer jogar o país na água para fazê-lo recobrar a razão. Acontece que o país aprendeu a nadar durante a guerra contra o Iraque e, por isso, não reconhece o rei, nem vê o navio como porto seguro. Afinal, aquele que o jogou na água não só pode como vai repetir a dose.

Salar Abdoh, romancista e ensaísta iraniano, é o autor, mais recentemente, de "Tehran At Twilight".

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